Este blog é dedicado ao bom rock feito nas décadas de 1960 e 1970 do século XX. Ocasionalmente também podem ser abordadas bandas e eventos de outras décadas.
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
!QUE VIDA! - A HISTÓRIA DE ARTHUR LEE & LOVE
NÓS TODOS SOMOS NORMAIS E QUEREMOS A NOSSA LIBERDADE: A GÊNESE DO LOVE
O Love foi a banda que operou uma certa ruptura estética nos anos 1960. Eles tinham o visual, o som e a atitude de uma sociedade em mudança. As letras e as músicas de Arthur Lee cobriam o largo terreno de qualquer banda de rock. No decorrer de três álbuns, a formação original do Love gravou punk, suítes sinfônicas, easy listening, blues e folk. Enumerar as várias influências que se mostravam – ritmos caribenhos, guitarra espanhola, música flamenca, folk rock, free jazz, psicodelia, lounge, country, ska – seria um exercício infrutífero: O Love fez simplesmente de tudo musicalmente.
O Love foi a primeira banda multirracial de rock conhecida da primeira Era Psicodélica, a primeira banda de rock a assinar contrato com a Elektra (inicialmente, uma gravadora essencialmente de folk) e a primeira banda a gravar uma canção que ocupava um lado inteiro de um LP (“Revelation”, que ocupava todo o lado B de Da Capo, segundo LP da banda). Arthur Lee também foi o primeiro a gravar Jimi Hendrix em estúdio (produzindo o single “My Diary”, para a cantora Rosa Lee Brooks, em 1964, lançado pela Revis Records).
Lee e seus companheiros só se vestiam de forma chamativa e original. Desse jeito, eles definiram literalmente o senso de estilo da nascente contracultura hippie. A idiossincrática moda do Love englobava sapatos mocassins americanos, viseiras triangulares, calças listradas e casacos de pele que não mostravam presunção, mas uma nova sensibilidade (“Em termos de roupas”, explica Lee, “sem mim não haveria Jimi Hendrix e Sly Stone. Eu fui o primeiro negro a ser chamado de hippie”.). O mais importante de tudo era que a música do Love era ousada e original para os padrões daqueles tempos, uma honesta reflexão da visão de mundo única e da filosofia de Arthur Lee.
Conforme o Love surgia para o estrelato, em 1965, Hollywood estava deixando de ser apenas a cidade dos filmes e da TV para ser também o nascedouro da emergente contracultura jovem. Em clubes noturnos como Bido Lito’s, Brave New World e o legendário Whisky A Go Go, as pessoas enchiam as ruas da cidade por noites a fio para assistir às performances hipnóticas do Love. Uma dessas pessoas era um jovem chamado Jim Morrison, que estava começando os seus primeiros passos musicais, com a sua banda que viria a ser futuramente conhecida como The Doors.
Jac Holzman, o fundador da gravadora Elektra, viajou de Nova Iorque até Los Angeles unicamente para ver o grupo. Ele já pretendia fazer incursões dentro do campo do rock, mas as bandas pelas quais ele estava interessado – como The Byrds (que já havia lançado um single pela Elektra sob o codinome The Beefeaters) e Lovin’ Spoonful já haviam assinado contratos de longos períodos com outras gravadoras. “No clube Bido Lito’s eu fiquei realmente muito impressionado com a reação da platéia”, relembra Holzman. “Era uma multidão imensamente entusiasmada. A banda era arrebatadora no palco. Arthur estava de óculos escuros e ‘Hey Joe’ foi tocada de uma forma maravilhosa”.
O Love gravou quatro álbuns para a gravadora Elektra, dois dos quais – Da Capo e Forever Changes – tem sido universalmente reconhecidos como verdadeiros clássicos. Entretanto, a banda nunca alcançou muito sucesso para muito alem das fronteiras da sua cidade natal (Los Angeles) e de um significativo séqüito de fãs britânicos. Quando o assunto era fazer turnês nacionais, apresentações em programas de televisão e presenças em eventos promocionais, Arthur Lee simplesmente dizia “NÃO!”. Holzman se lembra de ter insistido para que os membros da banda voassem até Nova Iorque para promoverem a sua estréia em âmbito nacional – o que eles fizeram. Por um dia. Eles permaneceram em Nova Iorque durante um único dia. “Eles não concederam entrevistas à imprensa, não fizeram apresentações ao vivo e voltaram para Los Angeles”, disse Holzman, notando que o sucesso que a banda alcançou na Inglaterra nunca chegou a ser devidamente capitalizado. “Uma das razões pelas quais o Love não se tornou um sucesso mundial foi o senso insular de Lee”. Para ele, o mundo era apenas a California.
Lee acrescenta: “Nós éramos os mais populares – e os mais preguiçosos. Uma turnê pela Costa Leste? Esqueça. Nós estávamos indo bem em Los Angeles”. Em meados de 1967, Lee também recusaria um convite para se apresentar no Festival de Monterrey, citando divergências pessoais com um dos promotores do evento, Lou Adler (que também era um figurão da indústria musical em Los Angeles).
O Love acabou pagando o preço por isso, vendo os Doors, seus colegas de gravadora, roubando-lhes o posto de banda n° 1 da gravadora Elektra, enquanto muitas outras bandas capitalizavam em cima das inovações que Lee e seus companheiros haviam colocado primeiro em vinil. “Os Doors idolatravam Arthur Lee”, disse Paul Rothchild, que produziu o segundo álbum do Love, Da Capo, e os seis primeiros álbuns dos Doors. “Os Doors herdaram muita coisa do estilo do Love. Não há nenhuma dúvida a respeito disso”.
Ao mesmo tempo em que outras bandas psicodélicas estavam em decadência conforme se dissipava a névoa lisérgica, o ponto máximo da carreira do Love, o álbum Forever Changes, definia a década de 1960 tão bem quanto clássicos mais amplamente reconhecidos como Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, Pet Sounds, dos Beach Boys, e Their Satanic Majesties Request, dos Rolling Stones. Em uma eleição feita nos anos 1980 entre críticos de rock britânicos e norteamericanos, Forever Changes alcançou a posição de número 16 entre os melhores álbuns de todos os tempos.
Ao contrário de outras bandas psicodélicas da época, o Love não era uma banda arrogante. As letras de Lee retratam um tempo de extravagância, ainda que ele nunca tenha exagerado. Lee procurava maneiras de emular pessoas que ele considerava “os maiores entretenedores” – Jackie Wilson, Curtis Mayfield, Sam Cooke, Little Richard e James Brown. Quando cita os performers que mais admira, Lee é unânime em citar, entrevista após entrevista, as mais variadas fontes de inspiração, nomes como Jerry Lee Lewis, Beethoven, Tchaikovsky, Robert Johnson, John Coltrane, Jack Gleason e Miles Davis. Sobre este último, Lee é enfático: “’Sketches Of Spain’, de Miles Davis, é uma das coisas mais maravilhosas que eu já ouvi em toda a minha vida”.
Com essa admiração em seu coração e em sua mente, Lee tinha uma vantagem – ele era um estudante de canto, composição e performance. Essa é uma idéia corroborada pelo escritor Richard Meltzer (cujo livro Aesthetics Of Rock é um marco do final dos anos 1960) que coloca Lee não entre os poptars, mas na classe dos cantores/compositores primeiro conhecidos como poetas e depois como músicos – pessoas como Tim Hardin e Tim Buckley. “O ponto de vista de Arthur era absolutamente deslumbrante e único para a época”, disse Bruce Botnick, co-produtor de Forever Changes. “Ele e Bryan eram a mistura perfeita. O trabalho de Bryan era plangente e leve; Lee, por outro lado, era mais barra-pesada. Esses dois lados funcionavam tão bem quanto Lennon e McCartney”.
A influência do Love sempre foi poderosa. Robert Plant, vocalista do Led Zeppelin, sempre coloca o Love na lista de suas bandas favoritas. Plant citou Arthur Lee e a influência do Love em sua música no discurso proferido durante a cerimônia de integração do Led Zeppelin na Rock And Roll Hall Of Fame, em 1995. Além disso, bandas de estilos diversos como pop, hard rock e folk gótico tem gravado as canções de Lee e Maclean. Alguns exemplos: The Hooters (“She Comes In Colors”); UFO e The Damned (“Alone Again Or”); The Move (“Stephanie Knows Who”); Alice Cooper, Billy Brag e Ramones (“7 And 7 Is”) e Mazzy Star (“Five String Serenade”).
A influência do Love tem sido mais fortemente sentida em bandas pós-punk britânicas, especialmente nas bandas neopsicodélicas da metade dos anos 1980. Echo & The Bunnymen, Siouxie & The Banshees, Teardrop Explodes, The Monochrome Set e Orange Juice lideraram o seu próprio movimento que misturava acústico com elétrico, e ambiente com concreto, exatamente como Lee fazia duas décadas antes deles. O folk rock genérico e a atmosfera pop combinados com os trocadilhos surrealistas podem ser ouvidos também na música de Robyn Hitchcock, XTC e certas bandas shoegazer do começo da década de 1990, como Lush, This Mortal Coil e Inspiral Carpets. Em 1994, várias bandas contemporâneas (entre elas, Urge Overkill, Teenage Fanclub, Television Personalities e Love Battery) foram convidadas para homenagear Arthur Lee e o Love com covers que foram reunidas em uma coletânea intitulada We’re All Normal And We Want Our Freedom: A Tribute To Arthur Lee And Love (Alias Records). Aliás (sem querer fazer trocadilho com o nome da gravadora), essa coletânea é altamente recomendável a todos os fãs do Love.
Todas as canções contidas nessa coletânea da gravadora Alias foram pinçadas dos três primeiros álbuns do Love. Apesar da banda ter entrado no Top 40 apenas uma vez durante o auge das rádios AM especializadas em rock nos Estados Unidos e nenhum dos seus trabalhos terem recebido disco de ouro, há uma legítima reverência em relação ao trabalho do grupo que existe até os dias de hoje e continua a crescer a cada dia. “Essa música não tem sido explorada”, Lee explica, “porque eu tenho me recusado a cooperar. Eu nunca fui um campeão de vendas”.
A obra do grupo mostra o quão efetivamente e coerentemente o Love refletiu uma era transicional na história do rock. A Invasão Britânica estava arrefecendo; Os Beach Boys e os Byrds estavam mostrando o quanto uma diferença geográfica poderia resultar em perspectivas amplamente diferentes na música; e o soul, o blues e o pop estavam definindo as identidades das cidades e regiões dos Estados Unidos. Mas a música do Love era confluente. Eles poderiam se apresentar tocando o mesmo soul que as bandas de Detroit tocavam; Eles poderiam compor com a serenidade pessoal de qualquer cantor/compositor confessional; E eles poderiam narrar as complexidades do amor tão bem quanto qualquer outro artista do período.
“O Love tinha uma certa rusticidade”, diz o produtor Botnick. “Individualmente, eles não eram grandes músicos, mas, quando eles estavam juntos, havia uma mágica. E Arthur Lee era o ponto inicial de tudo. Eu nunca conheci alguém como Arthur Lee – antes ou depois”. Se toda a obra do Love consistisse apenas na voz de Lee acompanhada de um violão, ainda seria digna de toda a reverência.
O INÍCIO
Arthur Taylor Porter nasceu em 7 de março de 1945, em Memphis, Tennessee, Estados Unidos. Depois que seus pais se divorciaram, ele adotou o sobrenome do segundo marido de sua mãe, Clinton Lee. Quando ele tinha cinco anos de idade, sua família se mudou para a Califórnia, e Arthur cresceu nos arredores de Crenshaw-Adams, na Zona Oeste de Los Angeles. Ele se descrevia como “uma criança solitária” cujo principal consolo era a música. “Quando eu era um garotinho eu ouvia as canções de Nat King Cole e olhava o logotipo púrpura da Capitol Records. Eu queria ser um contratado da Capitol, esse era o meu objetivo”.
Lee estudou na Dorsey High School, onde ele se sobressaiu nos esportes, particularmente basquetebol e corrida. Depois que saía da escola, ele costumava caminhar vários quilômetros, desde a Dorsey até o prédio da Capitol, em Hollywood, somente para ficar contemplando o objetivo que ele estava determinado a conquistar. Em pouco tempo, Lee abandonou a escola e começou a se dedicar exclusivamente à música. Ele começou a compor e a se apresentar musicalmente. “Eu tive a sorte de ter uma mãe que via algum talento em mim”, diz Lee. “Eu sempre tive um quarto só para mim, onde eu podia fechar a porta e fazer o que eu quisesse dentro do quarto. Compor música era a coisa mais importante da minha vida, e é assim até hoje. A música só está abaixo de Deus”.
Aliás, a religiosidade era uma marca forte da personalidade de Lee, conforme as suas próprias palavras: “Quando você coloca algo na frente de Deus ou de você mesmo na sua vida, você está com problemas. Você sabe o que eu estou dizendo. Você tem que acreditar em alguma coisa - e se você acredita em Deus, isso é maravilhoso, e acreditar em você é acreditar em Deus também. Mas desde que você coloca uma banda, ou um ídolo, ou uma mulher, ou um homem, ou qualquer coisa - antes de você ou de Deus, você está fodido. Eu sei disso, todo mundo sabe, mas, às vezes, temos a tendência de esquecer. Saca o que estou dizendo?
A primeira banda de Lee, The LAGs – o nome é uma homenagem à banda de Memphis favorita de Arthur Lee, Booker T & The MGs -, acumulou um pequeno número de seguidores. Em 1963, foi lançado um compacto pela Capitol contendo os números instrumentais “The Ninth Wave” e “Rumble Still Skins”. Um ano depois, um outro compacto foi lançado, desta vez pelo selo Selma, subsidiário da gravadora Del Fi. Esse compacto era da outra banda de Lee, chamada The American Four. O lado A trazia a canção “Luci Baines”, que é o primeiro registro vocal conhecido de Lee. O lado B, “Soul Food”, era um instrumental conduzido por Lee e por Johnny Echols, que, futuramente, também viria a ser guitarrista do Love. A exemplo de Lee, Echols também era um nativo de Memphis que havia se mudado para Los Angeles. Antes de formarem a banda, os dois já eram amigos de vizinhança. “[Essas primeiras gravações] eram sobre manter os meus pés molhados, apenas isso”, relembra Lee. “Eu nunca esperei ganhar um só centavo com esses compactos. Portanto, eu só apliquei metade das minhas habilidades nessas gravações”.
Além de músico, Lee também começou a trabalhar como produtor, produzindo singles de soul e de música latina para o selo Selma. O trabalho musical de Lee chamou a atenção de muita gente. A gravadora Revis lançou um compacto com a canção “My Diary”, que Lee compôs e produziu para a cantora Rosa Lee Brooks em 1964. “Eu escrevi essa canção para Rosa Lee Brooks”, diz Lee. “Essa foi a primeira vez que Jimi Hendrix [recém-demitido do grupo de Little Richard] tocou guitarra em um estúdio. A letra de ‘My Diary’ fala sobre a mesma mulher sobre a qual eu também falo em ‘7 And 7 Is’ e ‘A Message To Pretty’. O som era mais ou menos como Curtis Mayfield e seus riffs e aumente o volume do seu amplificador ao máximo para ver o que acontece”. Uma banda de Los Angeles chamada The Sons Of Adam (cujo baterista Michael Stuart seria um dos futuros membros do Love) fez uma versão de “Feathered Fish”, um punk rock composto por Lee, e um grupo de surf music chamado Ronnie & The Pomona Casuals também gravou várias outras composições de Lee, incluindo “Slow Jerk”, “Everybody Jerk” e a philspectoriana “I’ve Been Trying” (embora boatos digam que Lee tenha gravado com essa banda, ele nega peremptoriamente e diz que só forneceu algumas de suas composições para eles gravarem).
Os primeiros trabalhos de Lee (tanto como músico quanto como produtor) mantinham uma forte influência de música negra, especialmente R&B. A mudança de rumos em direção ao pop branco se deu em 1965, quando viu Roger McGuinn e os Byrds pela primeira vez. Enquanto isso, suas bandas The LAGs e The American Four continuavam seus circuitos de shows em Montebello, subúrbio de Los Angeles. Foi só depois de ver o show dos Byrds pela primeira vez, que ele decidiu abandonar o rótulo de “banda cover” e se concentrar numa espécie de destilação do som do idiossincrático folk rock dos Byrds e das suas próprias despretensiosas canções. Ele se sentiu fascinado pelo folk rock de influência britânica dos Byrds e pelas possibilidades oferecidas pela guitarra de doze cordas. Os Rolling Stones e uma banda de Los Angeles chamada The Rising Sons também influenciaram enormemente essa nova direção, que foi certa vez descrita por um resenhista como “McGuinn e seus amigos formando, de alguma maneira, uma aliança sonora com Mick Jagger”.
De primeira, essa decisão custou para ele. “Eu tenho a habilidade de fazer qualquer tipo de música que eu queira fazer, e eu não tinha compromisso algum”, assegura Lee. “Eu percebi que eu poderia soar como os Byrds e os Beatles e eu disse ‘Hey, este sou eu. Pare de tentar ser um imitador’ [de bandas R&B]. Eu me encaminhei até umas gravadoras de música negra – a SAR, de Sam Cooke, e a Motown. Eles queriam que eu trabalhasse ganhando poucos centavos”.
Em 1964, Lee abandonou as suas bandas antigas e formou uma nova, a qual ele batizou como The Grass Roots (Lee disse certa vez que esse nome veio de “uma citação de Malcolm X sobre ‘pessoas vindas do povo, de origem popular’ [‘grass roots people’] como sendo as pessoas que estavam nas ruas fazendo alguma coisa por si próprias”). A formação da banda era ele próprio, Johnny Echols (guitarra), Johnny Fleckenstein (baixo) e Don Conka (bateria). Pouco tempo depois, o jovem guitarrista Bryan Maclean foi admitido na banda e deixou o seu antigo emprego de roadie dos Byrds. A audição na qual Maclean foi aceito foi notória pelo fato do seu único concorrente ter sido Bobby Beausoleil, que acabou se tornando famoso posteriormente de uma forma muitíssimo diferente: Ele foi simplesmente um dos assassinos que faziam parte da “Família” Manson. Tocando em bares durante seis noites por semana, os Grass Roots se tornaram “os reis das bandas de rua” em Hollywood.
Entretanto, no final de 1965, Lee foi forçado a mudar o nome da banda. Outra banda chamada The Grass Roots apareceu no cenário musical, alcançando as paradas de sucesso com “Ballad Of A Thin Man” (versão de uma canção de Bob Dylan), pelo selo Dunhill Records. Essa banda era liderada pelos compositores P. F. Sloan e Steve Barri e alcançaria a parada de sucessos várias outras vezes, com clássicos como “Let’s Live For Today”, “Midnight Confessions” e “Temptation Eyes”. Ao invés de recorrer aos tribunais para resolver o problema do nome, Lee resolveu rebatizar sua nova banda. O novo nome escolhido foi “Love” (era o segundo da lista). “É uma grande palavra, a melhor coisa que existe na vida”, disse Lee. É notável, entretanto, que a sua definição de amor seja um tanto idiossincrática. “Nós temos que amar uns aos outros. Eu prefiro ficar numa boa com todo mundo. Desde que você faça o que eu digo, não há problemas”, completa Lee.
Apesar de Lee ser o líder e principal compositor da banda, Maclean também compunha um material igualmente excelente. Enquanto Lee era um negro que tinha crescido na parte mais barra-pesada de Los Angeles e era conhecido como o cara mais durão da vizinhança e fazia soul music, Maclean era um garoto loiro de olhos azuis, muito rico, criado em Beverly Hills, compunha suaves canções folk e sua primeira namorada havia sido a então jovem Liza Minelli. A diferença de formação e de estilos entre esses dois músicos providenciou muito da tensão criativa existente no material da banda. Conforme o Love construía uma reputação baseada nessa mistura de R&B e folk rock, eles também começaram a trocar os covers por material original.
Arthur Lee já foi descrito como um “freak negro em um cenário branco” da Los Angeles dos anos 1960, cujo estilo o próprio Lee ajudou a moldar. “Lee era uma figura impositiva”, escreveu certa vez o músico Jimmy Greenspoon, da banda Three Dog Night. “Óculos escuros, um lenço ao redor do pescoço, camisas eduardianas, e – o que veio a se tornar a sua marca registrada – um velho par de botas militares com uma delas estando desamarrada. A presença dele era hipnótica. A platéia se convertia em uma legião de súditos do Rei Arthur Lee. Ele era uma espécie de flautista que os conduzia por uma estrada em direção a uma diferente forma de consciência”. Notando as semelhanças entre Arthur Lee e Mick Jagger, um veterano da indústria musical chamado Denny Bruce descreveu o músico como “um negro americano imitando um branco inglês que imitava um negro americano”. A influência britânica dentro da música do Love era óbvia, mas o trabalho de guitarra de Lee, Echols e Maclean era puro Los Angeles.
Com a intenção de se destacar no meio da multidão, Lee elaborou uma moda toda peculiar para torná-lo notavelmente diferente. “Eu comecei a usar apenas um mocassim, somente para ficar conhecido como o cara que usava apenas um mocassim”, relembra Lee. “Eu freqüentava a cafeteria Ben Frank, em Sunset. Eu não conhecia os figurões da indústria da música. Portanto, aquele era apenas um jeito das pessoas me conhecerem, me identificarem. As pessoas começavam a perguntar ‘onde está aquele cara que só usa um par de sapatos?’. Eu estava determinado a me tornar um cara conhecido”. Mas, mesmo alcançando um alto grau de popularidade em sua área, Lee não abandonou a sua característica simplicidade, mesmo em tempos futuros, quando atingiu ainda mais notoriedade com o Love: “Não quero mais nada a não ser me tornar o rei do rock'n'roll. Mas eu quero ser isso do meu jeito. Essas pessoas [profissionais de gravadoras e empresários] são tão alienadas, trancadas em suas mansões e toda essa vida de merda, cara. E eu sempre estive aqui, no meio do povo. Eu gosto de ir até a porta da frente, encarar a fila, pagar o ingresso do meu próprio show e depois subir ao palco. Esse é o jeito que eu gosto de encarar as coisas. Eu não gosto de discrição e de toda essa merda. Porque meus amigos e eu - os amigos que já se foram, que é (risos)... Aqueles que ainda não foram baleados (gargalhadas)... Uhh, hei, eu costumo ficar bastante em casa... Jesus Cristo, você se imagina sendo muito famoso e ganhando rios de dinheiro? Eu não gostaria. Eu já tenho diversão suficiente na minha vida simplesmente vivendo, visitando meus amigos e ouvindo discos. Eu gosto disso. Eu não desistiria do meu estilo de vida por nada deste mundo - a vida é muito importante, cara”.
A notoriedade não estava tão longe quando o Love começou a se apresentar em clubes noturnos de Los Angeles, em abril de 1965. Não muitos meses depois de sua estreia, o Love se estabeleceu como a melhor banda underground de Los Angeles. “Nós começamos no clube Brave New World, em Melrose, e então nós fomos para o Bido Lito’s, trabalhando seis noites por semana e ganhando 20 ou 30 dólares por noite”, relembra Lee. “Quando nós começamos a tocar no Brave New World, eles tinham de 15 a 20 pessoas na platéia cada noite. Depois de duas semanas, a fila para entrar no local já estava dobrando o quarteirão. Os Yardbirds, Mick Jagger, Sal Mineo, estavam todos lá para ver o Love tocar”. (Foi presumivelmente no Brave New World que os Rolling Stones viram o Love apresentar a sua versão de 25 minutos de “Smokestack Lightning” e a original “Revelation”, que acabou inspirando Mick Jagger e seus companheiros a gravarem a sua própria alongada “Goin’ Home”, incluída no clássico álbum Aftermath).
“Nós éramos o que as pessoas queriam ouvir”, relembra o baterista Don Conka. “Era uma coisa realmente refrescante. Nós costumávamos ensaiar na garagem da casa de Arthur, tocando canções dos Byrds e dos Kinks e canções originais nossas também. Desse jeito, nós desenvolvemos uma sonoridade toda original. Você pode identificar qualquer canção dessas bandas, mas você nunca pode definir o som de Arthur”. Em pouco tempo, os membros do Love estavam vivendo em comunidade, primeiro em Hollywood e depois em uma casa localizada em Laurel Canyon onde já havia morado o ator/personagem Bela Lugosi (a estranha formação rochosa que aparece nas capas dos dois primeiros LPs do Love se localizava no jardim dessa propriedade).
Os membros da banda desenvolveram uma forte afinidade – Lee e Conka permaneceram amigos durante as décadas subsequentes – que os ajudava a evoluir como músicos, mas afastava estranhos. Durante o auge o grupo, houve notícias de que um repórter da revista KRLA Beat havia reclamado do jeito como Lee e seus colegas o haviam tratado durante uma entrevista. Os músicos teriam dado respostas monossilábicas às perguntas e teriam falado frases fragmentadas e absurdas. De acordo com a celebridade sessentista Ian Whitcomb, que escreveu sobre esse incidente em seu livro Rock Odyssey (uma espécie de crônica daquela época), a única resposta coerente que o repórter obteve foi esta declaração de Lee sobre a música do Love: “Nós queremos que a nossa música envolva o ouvinte da mesma forma que o amor envolve o mundo”. Na verdade, tratava-se de mais um trocadilho de Lee: ele queria que o “Love” (nome de sua banda) envolvesse o ouvinte da mesma forma que o amor (“love”) envolvia o mundo. A impressão do repórter foi a de que o Love estava determinado a alcançar o topo, mas “a falta de educação acabará com a banda”.
LOVE (1966): O PRIMEIRO ÁLBUM
Mal-educados ou não, os músicos do Love viram o seu álbum de estréia alcançar números impressionantes de venda quando foi lançado em maio de 1966, vendendo 150.000 cópias e passando quatro meses na lista dos mais vendidos, eventualmente alcançando a posição de número 57. Love (o álbum) incluía o single “My Little Red Book”, que alcançou o posto 52 na parada de sucessos nacional em junho (mas que alcançou vendas mais expressivas no oeste e no sul dos Estados Unidos). Para as sessões de gravação do álbum, Lee tocou bateria na maior parte do tempo e tocou baixo algumas vezes, e, no resto, ele substituiu os problemáticos Conka e Fleckenstein por Ken Forssi no baixo (que fez parte dos Surfaris numa formação pós-“Wipe Out”) e Alban “Snoopy” Pfisterer nas baquetas (Fleckenstein, posteriormente, integraria os Standells e, vários anos depois, construiria uma boa reputação como profissional de cinematografia).
A textura global das geralmente simples canções com base no folk rock contidas nesse primeiro álbum do Love é definida pelas linhas de baixo conduzidas por Forssi e pelo insistente tamborim de Lee. Desde os acordes iniciais de “My Little Red Book” adiante, o álbum tem um foco e uma pegada dramáticos. A versão original de “My Little Red Book” (composição de Burt Bacharach e Hal David) foi gravada pela banda Manfred Mann (Lee era um grande fã do vocalista do Manfred Mann, Paul Jones) e é inteiramente diferente, com uma inclinação mais jazzística, feita para ser parte da trilha sonora do filme What’s New, Pussycat?. Ao invés de construir uma versão fiel aos complexos arranjos do Manfred Mann (que Arthur viu, ouviu e apreciou muito no filme), ele simplificou a estrutura dos acordes da canção, ao mesmo tempo em que acentuou o ritmo envolvente. “Eu não tocava guitarra muito bem naquele tempo”, relembra Lee, “então, eu fiz uma coisa mais ‘rock’ com o tamborim” (Bacharach foi imediatamente incensado quando ele ouviu o tratamento que o Love deu à sua composição). Lee também faz considerações acerca do seu vocal nessa canção: “Eu estava ouvindo uma canção que já tinha ouvido numa outra noite – aquela canção, ‘Talk Talk’, da Music Machine. Meu, aquele cara realmente tentou me copiar. Justamente com essa canção, justamente com esse estilo de cantar. Eu nunca mais cantei daquele jeito. De fato, eu nunca havia cantado daquele jeito, sabe? Foi uma única vez. As pessoas já devem ter notado isso, eu acho. Eu só estava brincando quando eu usei aquela voz...”.
Somando-se à vitalidade da performance de Lee está a camada de sua harmonia vocal. Os dois primeiros álbuns do Love foram gravados em quatro canais – a banda gravou ao vivo e Lee gravou posteriormente o seu vocal principal por cima da base pré-gravada. Para conseguir uma harmonia vocal, como lembrou Holzman, eles levantariam e apagariam a cabeça na máquina do tape, e Lee cantaria a sua parte uma segunda vez. Se funcionasse, maravilha; Se ficasse confuso, o tape iria para o lixo. “Arthur sabia exatamente o que ele estava fazendo”, diz Holzman, lembrando que o Love nunca reeditava o seu material. “Quando algumas partes ficavam ruins, Arthur sempre arranjava um jeito de consertar aquilo”. Botnick relembra: “A banda atravessava a porta pronta para gravar. Eles tocavam no estúdio da mesma forma que tocavam ao vivo em suas apresentações nos clubes”.
Sobre um dos destaques do álbum, a faixa “Can’t Explain”, Lee explica: “Ouça ‘What A Shame’, dos Rolling Stones. É um estilo diferente de música, mas as palavras são quase idênticas. John Fleckenstein e eu compusemos juntos num estilo folk rock”. Johnny Echols também assina a composição.
A resolutamente triste “A Message To Pretty” apresenta a voz cheia de vibrato de Lee até ele cair em si no final da canção: “And I don’t need you to help me find my way” (“E eu não preciso de você para me ajudar a encontrar meu caminho”). O instrumental de “My Flash On You” poderia ser facilmente comparado com o de “Hey Joe” – os dois rocks dividem a mesma progressão básica de acordes. Mas “Flash” é a declaração de propósito de Lee: “All I want in this world is to say I’m a man that’s free” (“Tudo o que eu quero neste mundo é dizer que eu sou um homem que é livre”) e “’Cause I don’t wanna be like them, all I want is to be myself” (“Porque eu não quero ser como eles, tudo o que eu quero é ser eu mesmo”). O folk rock “Softly To Me” (composição de Maclean no estilo da Broadway) oferece uma centelha de conto de fadas conforme Bryan canta sobre “orange, sugar, chocolate and cinnamon” (“laranja, açúcar, chocolate e canela”). Sua incursão no sentimentalismo é notavelmente diferente da incursão de Lee: Maclean está sorrindo e cantando para a garota ao seu lado; Lee está no topo de uma montanha, sozinho, gritando em direção à casa de sua ex-amante, que é exatamente o tipo de narrativa que Lee mostra na marcante “No Matter What You Do”. O lado A do disco encerra com uma composição de Lee e Echols, a emocionante “Emotions”, que dura exatamente um minuto e cinqüenta e cinco segundos.
O lado B começa com “You’ll Be Following”, que é a história da busca de Arthur Lee pela verdade. Nessa busca, ele viaja (para Bagdá, para a Flórida, para o Laurel Canyon de Los Angeles) e procura os colegas Echols e Conka em busca de propósito, um tema recorrente em sua obra. “Começou como sendo um tema sobre Deus, como se eu tivesse feito isso e aquilo, como se eu tivesse procurado o Johnny Echols, como se eu tivesse perguntado ao Don Conka, mas não interessa, eu estarei seguindo Deus”, diz Lee.
“Gazing” é uma composição de Lee com dois minutos e quarenta segundos de duração e que dá lugar a um dos destaques do álbum. Para agradar aos inúmeros fãs dos Byrds que lotavam os primeiros shows do início da carreira do Love para ver Bryan Maclean mostrando o seu talento de músico, o grupo trabalhou uma velha favorita dos Byrds em suas apresentações para Bryan cantar: “Hey Joe”. “Bryan era roadie dos Byrds e nós escolhemos essa canção porque também fazia parte do repertorio dos Byrds”, diz Lee. Mas nem os Byrds e nem o Love receberam os créditos por terem sido os pioneiros na gravação de “Hey Joe”. Uma banda punk de folk rock de Los Angeles chamada The Leaves roubou os arranjos de ambas as bandas e gravou rapidamente a faixa, lançando-a como um single antes que qualquer outra banda pudesse gravar essa canção de autoria de Billy Roberts, que sempre é erroneamente creditada a Dino Valenti. É Lee quem relembra: “Os Leaves pediram a Johnny Echols a letra desta canção. Echols deu a letra toda errada para a banda. Mesmo assim, a versão dos Leaves foi campeã de vendas em Los Angeles”. Mesmo tendo sido sucesso estrondoso com os Leaves, “Hey Joe” só ganharia a sua versão definitiva no ano seguinte, nas mãos da Jimi Hendrix Experience.
O único número acústico do álbum é “Signed D. C.”, que também é uma das melhores canções antidrogas daquela época – ou de qualquer época. Lee acaba com a presunção de muitos fãs do Love que acham que a canção é um aviso aberto direcionado a Don Conka, alertando-o sobre o seu vício em heroína, com a letra sob forma de carta de suicídio: “Essa canção é sobre as pessoas que eu via quando eu descia do palco após os shows – os drogados que estavam contra o muro e não conseguiam descruzar os seus braços. Essa canção não foi escrita apenas sobre uma única pessoa. Muitas pessoas estavam fazendo o que está escrito na letra desta canção. D. C. significa Distrito de Columbia. Ouça ‘St. James Infirmary’ e ‘The House Of The Rising Sun’. Eu construí a linha melódica desta canção a partir dessas outras duas”. Mesmo tendo sido considerado pelos fãs do Love como um irrecuperável viciado em drogas, Don Conka sobreviveu aos excessos cometidos durante os anos 1960 e se tornou um especialista em extintores de incêndio (e se deu bem na vida profissional fora da música). Nos anos 1990, Conka chegou a se apresentar com Arthur Lee no Club Lingerie, em Los Angeles, em uma surpreendente versão ao vivo de “Signed D. C.”, mostrando que o talento de Conka como baterista havia permanecido intacto.
O primeiro álbum do Love se encerra com “Colored Balls Falling”, “Mushroom Clouds” e “And More” (as duas primeiras são composições de Arthur Lee e a última, uma parceria de Lee com Maclean), três petardos do melhor rock de garagem dos anos 1960.
DA CAPO (1967): GARAGEM E PSICODELIA
O segundo álbum do Love, Da Capo, foi lançado em março de 1967, dois meses depois do lançamento do álbum de estréia dos Doors, a banda que Jac Holzman contratou para a gravadora Elektra por recomendação pessoal de Arthur Lee.
O R&B pesado e psicodélico, as fantasias sexuais escancaradas e sua presença singular faziam dos Doors os naturais substitutos do Love como grande esperança da gravadora Elektra. E os Doors possuíam outra tremenda vantagem: eles estavam dispostos a fazer o que fosse preciso para construir uma forte legião de seguidores. Por outro lado, o Love era conhecido por sua notória intransigência: Eles não faziam turnês regularmente e raramente se aventuravam fora do circuito de Los Angeles. De fato, os caras do Love foram os pioneiros mestres das atitudes arrogantes do mundo pop, dez anos antes de Johnny Rotten. Um repórter que entrevistou a banda em 1966 concluiu que “apenas quando um grupo alcança o topo, a sua carreira deve refletir o que eles devem sofrer por serem continuamente rudes e desprezíveis com fãs e repórteres igualmente. Na minha opinião, o Love estará brevemente em muitas listas negras na indústria da música”.
Como já é sabido, quem apresentou os Doors a Jac Holzman (presidente da Elektra) e insistiu na contratação da banda foi justamente Arthur Lee. Os Doors foram contratados e, ironicamente, acabaram fazendo mais sucesso que o Love. Os Doors fizeram sucesso mundial, enquanto o Love continuou sendo conhecido apenas em Los Angeles. “Eu não esperava que os Doors fizessem sucesso. Eles abriam os nossos shows e eram ruins ao vivo”, revelou certa vez Snoopy. No filme The Doors, de Oliver Stone, há uma cena que representa como eram as primeiras apresentações dos Doors: Jim Morrison cantando de costas para o público, antes da apresentação do Love. Ray Manzarek, tecladista dos Doors, resume a admiração de Morrison pela banda de Arthur Lee: “No verão de 1966, Jim Morrison e eu fomos até o Whisky A Go Go [famosa casa de espetáculos de Los Angeles] e vimos um show do Love. Estava tudo preparado para os caras, e a banda estava simplesmente enfumaçando o local. Então, Morrison se virou para mim e disse: ‘Sabe, Ray, se os Doors pudessem ser tão grandes quanto o Love, minha vida estaria completa’”. O primeiro disco dos Doors foi lançado em janeiro de 1967 e todos sabem muito bem o que aconteceu.
Da Capo manteve a mesma verve garageira do primeiro álbum, mas havia um diferencial: o segundo registro fonográfico de Arthur Lee e seus amigos era uma coletânea de sonoridades encharcadas de ácido lisérgico. A psicodelia deu a tônica. Nas sessões de gravação, o novato Tjay Cantrelli assumiu a flauta e o saxofone e o novo baterista Michael Stuart assumiu as baquetas no lugar de Snoopy, que foi removido para os teclados. Da Capo tornou-se um LP notório por dois motivos: primeiro, por trazer a longa canção “Revelation”, de 20 minutos de duração, que ocupava todo o lado B do álbum (a primeira faixa de rock a ocupar um lado inteiro de um LP, muito antes do Pink Floyd) e por trazer “7 And 7 Is”, o maior sucesso comercial da banda (alcançou o posto 33 da parada nacional e sucesso absoluto em número de execuções nas rádios de Los Angeles durante várias semanas). Jac Holzman confiou a produção do álbum a Paul Rothchild depois que o presidente da Elektra concluiu a produção do single “7 And 7 Is”, nas sessões de gravação efetuadas em junho de 1966. Rothchild editou “Revelation” a partir de “quilômetros” de fitas magnéticas. “Arthur gostou da idéia de contar comigo como produtor”, diz Rothchild, “precisamente porque eu já tinha experiência em produzir faixas longas, como ‘East-West’ [The Paul Butterfield Blues Band] e ‘The End’ [The Doors]”.
As seis canções que fazem parte do lado A de Da Capo constituem alguns dos mais brilhantes clássicos do repertório do Love. “Stephanie Knows Who”, escrita sobre uma garota conhecida de Lee e Maclean (garota essa que também inspirou “The Castle”) inclui a primeira incursão da banda num interlúdio de free-jazz, como fica evidenciado pelos sopros de saxofone de Cantrelli em harmonia com o cravo tocado por Snoopy.
Nenhuma composição de Maclean é tão lírica quanto “Orange Skies”. Arthur Lee relembra: “Eu escrevia mais sobre a vida real. ‘Orange Skies’ era uma boa canção, mas eu tive que perguntar para Bryan: ‘Por que você não escreve sobre coisas da vida real? Por que você está sempre escrevendo sobre sorvete, essas coisas?’ Mas eu verdadeiramente o admirava. Ele era um grande compositor”.
“!Que Vida!” é construída sobre elementos variados: uma batida de ska nos versos, um órgão lounge e um sino de Natal na coda. Tais elementos exemplificam a crescente fascinação de Lee por um espectro de ritmos diferentes, tanto quanto seu questionamento lírico: “Can you find your way or do you want my vision?” (“Você pode encontrar o seu caminho ou você quer a minha visão?”), que sugere uma forte crença no seu poder como músico e poeta.
O punk rock “7 And 7 Is” (listado no álbum como “Seven And Seven Is”) foi lançado como single em junho de 1966. Nessa faixa, Lee exorciza os seus demônios com incomparável ferocidade. Basta considerar o estrago no final: um frenético solo de guitarra, o som da explosão de uma bomba atômica em uma área de testes em Nevada, e um segmento bluesístico que surge no final e vai sumindo aos poucos. Nada no Top 100 norteamericano de 1966 chega perto da esfuziante magnitude de “7 And 7 Is”. Como foi gravada quase um ano antes do lançamento do LP, a faixa apresenta Snoopy na bateria. O vigor retumbante da bateria e das guitarras é absolutamente único para um rock dos anos 1960, mas é a linha de baixo (a cargo de Ken Forssi) que, surpreendentemente, fornece o gancho melódico da canção. “Era sobre uma garota chamada Anita”, explica Lee. “Ela nasceu no sétimo dia e eu também nasci no dia 7, e sete e sete é. Simples assim. Eu morava em Sunset e acordava cedo todas as manhãs. A banda inteira estava dormindo. Eu entrei no banheiro e escrevi os versos da letra. Eu costumo compor minhas canções antes do amanhecer. Eu poderia ouvir as canções nos meus sonhos, mas se eu não me levantasse para escreve-las no papel ou se eu não tivesse um gravador ao meu alcance para registrar a melodia, eu perdia tudo, letra e música. Se eu confiasse que podia me lembrar da composição no dia seguinte – boink, já era”.
Talvez mais do que qualquer outra gravação, “7 And 7 Is” definiu a nova face do rock de Los Angeles em 1966 – libertado do mito do sonho californiano, da embusteira indústria fonográfica de Hollywood e, finalmente, da dominante influência dos britânicos. Este era o som das ruas – o novo som dos garotos alienados que se encontravam e que se enturmavam pelas ruas e desfiladeiros dos arredores de Sunset Strip. A canção é um ataque fulminante aos sentidos: um andamento vertiginoso, as guitarras de Maclean e Echols dedilhadas em ritmo frenético e os vocais furiosos de Arthur Lee quase gritando os misteriosos versos da letra: “You can throw me if you wanna, ‘cause I’m a bone and I go oop-ip-ip, oop-ip-ip, yeah” (“Você pode me arremessar se você quiser, porque eu sou um osso e eu vou upipip, upipip, iê!”). Apenas uma bomba atômica poderia parar toda essa loucura. Descrita como “uma obra-prima apocalíptica”, a canção tornara óbvio o fato de que o Love estava mergulhando de cabeça no mar de alucinógenos que era a Califórnia no começo do movimento hippie.
O lado B de “7 And 7 Is” é bem característico da maioria dos “lados B” dos singles dos anos 1960: “Nº Fourteen” é daquelas canções feitas para ajudar o disque-jóquei a decidir qual dos dois lados do compacto merece execução radiofônica. Comparando com “7 And 7 Is”, esta faixa perde de goleada. Mesmo assim, os fatores desiguais que compõe este single com menos de dois minutos de duração parecem convencer: uma estrutura poética simples, um coral marcial característico de fuzileiros navais, uma batida psicodélica semelhante à de Bo Diddley e um toque de country na coda. Ao contrário de “7 And 7 Is”, “Nº Fourteen” não foi incluída em Da Capo.
As experiências de Lee com assinaturas de tempo alcançam o seu zênite em “The Castle”, o hino composto por Lee em homenagem ao lar comunitário da banda. A canção começa com um segmento acústico dedilhado antes que o baixo aumente a velocidade da música e pare abruptamente. As definições dos propósitos dos instrumentos mudam com a melodia: guitarra e baixo se alternam como linha e tecido, até os dois encontrarem um solo de cravo, e a tapeçaria sônica está completa. Outro ponto alto da canção é a misteriosa letra: “Here’s my baggage, hand me my staff, I’m living in a boat, a plane or raft, oh… A my love, B I love, so hard to choose; If that were in my mind, It I would use, oh… Goin’ back to mother, leavin’ on the double, think I’ll go to Mexico” (“Aqui está minha bagagem, pegue para mim o meu suporte, eu estou vivendo em um bote, um avião ou uma balsa, oh... A meu amor, B eu amo, tão difícil de escolher; Se estivesse em minha mente, eu usaria, oh... Voltando para a mãe, partindo à toda pressa, acho que eu irei para o México”).
“She Comes In Colors” é difícil de ser batida no papel de reflexão temporal dos anos 1960: como atesta o verso nevoento de Lee, “When I was in England town, the rain fell right down; I looked for you everywhere ‘till I’m not around” (“Quando eu estava na cidade da Inglaterra, a chuva caía direto; Eu te procurei por todos os lugares até eu não estar mais por perto”). Uma nota musical importante é a introdução do samba no trabalho do Love por parte de Arthur Lee nesta canção, uma batida que fornece um pano de fundo viajante ao sopro espiralado da flauta.
FOREVER CHANGES (1967): A OBRA-PRIMA DO LOVE
LINK para o download do álbum Forever Changes:
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Em 1967, grande parte da América se viu envolvida num mar de flores e alucinógenos, nadando nas cores que espiralavam através da névoa psicodélica. Em Sunset Strip, onde, por um ano, o Love reinou como a banda mais hippie da cidade, a juventude parecia flutuar em um estado de transcendência cósmica. Mas Arthur Lee não queria fazer parte disso. De fato, foi em 1967 que Lee tomou o que deve ter sido a decisão mais profissionalmente autodestrutiva de sua carreira. Ele recusou um convite para participar do histórico Monterrey Pop Festival. Há várias razões que poderiam explicar essa péssima decisão, e uma delas era o crescente envolvimento da banda com drogas pesadas. No período em que se iniciaram os trabalhos para a confecção do álbum Forever Changes, pelo menos três membros – Lee, Echols e Forssi – estavam viciados em heroína. A notícia se espalhou rapidamente no meio musical, mas não mudou praticamente em nada a imagem da banda. Eles eram tidos como uma “banda de criminosos”, e o músico Peter Albin, membro do Big Brother & The Holding Company, disse que a banda deveria ser chamada de “Hate” (“Ódio”) ao invés de “Love” (“Amor”).
Se os membros do Love eram bandidos, então eles eram bandidos psicodélicos. A tensão entre a aura flower power e as suas raízes punk era a fonte de suas mais brilhantes criações. No verão de 1967 eles gravaram a sua inquestionável obra-prima, o álbum Forever Changes. Quando as sessões de gravação começaram, Lee não estava tomando apenas heroína, mas também LSD, enquanto Maclean nem se preocupava em comparecer aos ensaios. Estava claro para o produtor Bruce Botnick que o grupo não estava a fim de levar a sério os trabalhos de estúdio. Portanto, ele convocou alguns músicos de estúdio para substitui-los em algumas faixas. Com Hal Blaine (bateria), Billy Strange (guitarra) e Don Randi (piano), Botnick gravou “Andmoreagain” e “The Daily Planet”. O choque de ver outros músicos tomando os seus lugares no estúdio foi o bastante para sacudir a banda e deixa-los mais espertos – pelo menos durante o tempo que levou para gravar o álbum. “A banda se sentou no estúdio e ouviu [os músicos] gravarem duas canções [‘Andmoreagain’ e ‘The Daily Planet’]”, relembra Botnick. “Aquilo ofuscou todos eles. Eles estavam lá, sentados, reclamando, mas eles perceberam que teriam que superar isso, se reunir e gravar eles mesmos o resto do álbum, sem os músicos de estúdio”. As sessões de gravação do álbum foram completadas em sessenta e quatro horas e meia pela incrível bagatela de 2.257 dólares.
Quatro décadas depois, Forever Changes continua sendo o centro de uma tempestade de controvérsias. Quase todos os aspectos da produção do álbum e seus realizadores são colocados em dúvida. É sabido que Lee sempre afirmou que apenas ele produzira o álbum, sem a ajuda de Bruce Botnick; que ele queria os arranjos de corda feitos por David Angel removidos da mixagem final e que apenas ele, Arthur Lee, era o autor de todos os arranjos. Para compor as partituras de cordas e metais, o arranjador David Angel foi incumbido de ouvir Lee cantar cada parte e embeleza-las enquanto anotava as partituras. “Bruce e eu queríamos as cordas, apesar das objeções de Arthur”, diz Holzman. “Colocar cordas em álbuns de rock era algo virtualmente inédito”, ele completa, “mas funcionou. Se não tivesse funcionado, teríamos jogado tudo fora”. Neil Young teve o seu nome ventilado como co-produtor ao lado de Botnick, mas voltou atrás e trabalhou apenas nos arranjos de “The Daily Planet”.
Forever Changes atingiu imediatamente o status de clássico. Com o álbum, o Love alcançou um nível de ousadia musical que nenhuma outra banda havia alcançado antes. O uso de arranjos que distorciam as linhas melódicas mantinham Forever Changes afastado de comparações com outras obras-primas lançadas na mesma época. Tudo isso devido à produção fora do convencional; Guitarras vesicatórias rasgam o som de uma maneira que a maioria dos produtores jamais permitiria. Havia no álbum uma dissonância que refletia a fragmentação mental da cultura das drogas dentro da qual os músicos do Love estavam inseridos. Forever Changes refletia a distorção surrealista da primeira Era Psicodélica com precisão brilhante. Com seus arranjos habilidosamente intrincados, suas idiossincráticas mudanças de tempo e surpreendentes sobreposições de vocais, Forever Changes merece a reputação de Sgt. Pepper de Los Angeles.
Forever Changes se destaca por seu amálgama de Broadway, imagens psicodélicas, arranjos venturosos de cordas e metais, e um espirituoso jogo de palavras que tornam este álbum uma peça essencial de ligação com o insurgente movimento hippie de Los Angeles. Musicalmente, a inspiração veio dos então recém-lançados álbuns dos Beatles, dos Zombies, dos Byrds e dos Rolling Stones. No vocal, Arthur Lee assumiu um estilo que poderia ser comparado ao de Johnny Mathis, muito diferente dos primeiros trabalhos do Love, nos quais Lee não escondia a clara influência de Mick Jagger.
A guitarra acústica se fixa no centro do álbum. Tão frenético ou extravagante ou grandioso quanto as letras ou os arranjos, há um marcante centro magnético neste trabalho. Desde o suave dedilhado da guitarra espanhola que abre “Alone Again Or” até as cordas surrealistas que encerram “You Set The Scene”, Forever Changes é um legado de extremo bom gosto.
De muitas formas, Forever Changes pode ser considerado como a ópera metafísica de Arthur Lee. As letras embelezam as idéias levadas adiante nos títulos das canções, que, novamente, não estão incluídos nas letras. Os títulos “Bummer In The Summer”, “The Good Humor Man He Sees Everything Like This” e “Live And Let Live” mostram episódios e situações, sabendo que os títulos ampliam a perspectiva do ouvinte e, em pelo menos uma ocasião (“Live And Let Live”) altera o significado. O resultado é um quadro cheio de amores perdidos, subserviência, pessoas fingidas e um desejo de mudança. Bem-vindo à Hollywood de 1967.
“Alone Again Or”, número composto por Maclean, abre o álbum de onze faixas e mostra o amplo otimismo típico do cantor: “I think that people are the greatest fun and I will be alone again tonight my dear” (“Eu acho que as pessoas são o maior barato e eu estarei sozinho novamente esta noite, minha cara”), ele canta. Notavelmente, o vocal de Maclean é de fato a parte harmônica; Um dos dois, Lee ou Botnick, foi responsável por ter enterrado a bela performance vocal na mixagem final. Maclean dissera que o efeito na sua voz na mixagem final ficara tão medonho que ele havia ouvido o álbum apenas uma única vez.
A canção foi de fato composta antes do envolvimento de Maclean com o Love e foi inspirada em suas memórias de infância e nas danças flamencas praticadas por sua mãe. O solo de trumpete lembra “Lonely Bull”, de Herb Alpert, e acrescenta um toque único conforme as cordas sobem e descem, permitindo que o solo de guitarra espanhola estabeleça e quebre uma certa noção de solidão. “Ouvindo isso hoje”, diz Botnick, “acho que a influência de Tijuana Brass é culpa minha. Emprestar todo tipo de coisa não era problema”.
Em “A House Is Not A Motel”, Lee faz referência a uma história que ele ouviu de um veterano da Guerra do Vietnam, de que sangue misturado com lama fica da cor cinza. No fim da canção, ele chega a sugerir que essa mistura poderia estar escorrendo de uma torneira. Contrastando com essa ríspida imagem, está uma das mais exuberantes canções de Forever Changes, “Andmoreagain”, que mostra Lee abraçando as influências de Broadway, mais comuns a Maclean. Lee enche a balada com as peculiaridades do relacionamento homem-mulher – ouvir as batidas do coração, só para citar uma delas –, mas permanece sincero consigo mesmo quando canta que está “protegido” em sua “armadura” (“wrapped in my armor”). “Andmoreagain”, Lee diz, é “uma criatura”, uma das pessoas que ele via da janela do seu apartamento em Sunset Boulevard. A visão de Lee a partir de seu apartamento também inspirou “The Daily Planet”, que relata a repetição da vida cotidiana. O forte acompanhamento musical é iluminado pela bateria de Hal Blaine.
A única canção de Maclean que perfura as cuidadosas narrativas de Lee é “Old Man”, uma história em que Maclean ouve conselhos de um ancião. Musicalmente romântica, com cordas e metais fluindo suavemente como uma lágrima escorrendo por um rosto, a linha melódica foi inspirada em “Lieutenant Kijé”, de Prokofiev. Aqui, mais do que em qualquer outro álbum do Love, as seleções de Maclean acrescentam ao bolo, ao invés de providenciar o gelo.
Na faixa que encerra o primeiro lado do LP, “The Red Telephone” (na qual Lee faz referência ao telefone presidencial norteamericano na Casa Branca) a sílaba final de quase todos os versos é estendida por um efeito hipnótico. Fundir a última palavra de um verso com a primeira do verso seguinte – outra técnica de composição de Lee – é um efeito maximizado em “Maybe The People Would Be The Times Or Between Clark And Hilldale”. As rimas que ele exclui – “crowd” e “moon”, por exemplo – se juntam com efeitos sobrenaturais embalados agradavelmente por metais e pelo solo de violão. Como estava acostumado, Lee fala aqui da vida real, mas de uma forma poética. “Crowds of people standing everywhere” (“Multidões de pessoas por aí em todos os lugares”), ele canta. “And here they alway play my song” (“E aqui eles sempre tocam minha canção”) é uma referência à casa de espetáculos Whisky A Go Go, onde o Love tocava regularmente.
Apesar do bizarro verso de abertura que fala sobre “catarro em suas calças”, “Live And Let Live” é o testemunho de Lee sobre vigiar – e defender – o que é seu. A linha de baixo remete ao álbum de estréia, mas nunca parece deslocada. Lee explica que o verso que fala sobre catarro é verdadeiro: “Nós estávamos no estúdio e eu desmaiei, escarrei na minha calça e levantei. O catarro cristalizou. Eu escrevi sobre isso”.
“The Good Humor Man He Sees Everything Like This” é sobre uma idílica manhã de verão, com carrosséis e garotinhas usando rabos-de-cavalo e coisas do tipo. Novamente, Lee caminha dentro do território lírico de Maclean, mas faz isso com uma magnífica seção de cordas que conduz a história de modo efetivo. “Eu escrevi a letra em frente à Dorsey High School, olhando as crianças saindo da escola”, Lee relembra. “Mas, ao invés de escrever sobre o que eu estava vendo, eu escrevi sobre o que eu queria ver. Eu fiquei sentado lá por três horas tentando escrever só sobre coisas legais”.
O piano e o violão se destacam na abertura de “Bummer In The Summer”, e a guitarra mantém uma função percussiva. “Eu peguei esse riff a partir de uma canção de Ike Turner e transformei em country”, explica Lee. Com ambigüidade dylanesca, Lee canta os problemas do seu cotidiano enquanto sugere liberdade pessoal para todos com os versos “Go ahead if you want to / Nobody’s got any papers on you” (“Vá em frente se quiser / Ninguém tem quaisquer papéis em você”).
Arthur Lee mostra toda a sua perícia em “You Set The Scene”, uma “ópera de bolso” de quase sete minutos. Aparentemente, Lee uniu duas canções e usou uma seção de cordas para costura-las. A faixa começa com uma linha de baixo típica da Motown, e Lee canta com bravura – com o tipo de voz privilegiada de impetuosos cantores pop que vão de Al Johnson a Tom Jones. Ele toca no assunto da Guerra do Vietnam com o verso “A man decides if he wants to fight for what his father think is right” (“Um homem decide se ele quer lutar pelo que seu pai acha que é certo”). O desespero é particularmente evidente em versos como “All I know is that everything that lives is gonna die” (“Tudo o que eu sei é que tudo o que vive vai morrer”), “I’ll face each day with a smile” (“Eu encararei cada dia com um sorriso”) e “People may screw you up but they really screw you down” (“As pessoas deveriam te levantar, mas elas realmente te jogam para baixo”).
Considerando a sombria condição financeira e pessoal da banda, o fatalismo de Lee sobre o futuro do Love poderia ser considerado como bem fundamentado. O brilhantismo do álbum se torna comovente ao passo em que Lee acreditava que morreria após a conclusão das gravações. Isso é particularmente evidente em “You Set The Scene”: “This is the time and life that I am living and I’ll face each day with a smile / Because the time that I’ve been given is such a little while, and for every happy hello there will be goodbye…” (“Este é o tempo e vida que estou vivendo e eu encararei cada dia com um sorriso / Porque o tempo que me resta é como um breve momento, e para todos os felizes ‘alôs’ haverá um ‘adeus’...”). Em 1982, Lee falaria numa entrevista sobre o seu medo de morrer após as gravações: “Forever Changes foram as minhas últimas palavras no Love, você sabe. Forever Changes foi como uma daquelas pirações de John Lennon, sabe? A única diferença entre Starting Over e Forever Changes é que Lennon foi baleado e eu não fui. Entende? Aquelas foram as minhas últimas palavras, minhas últimas palavras ao mundo, e eu tenho estado aqui desde então (risadas). Foi como um cara dizendo adeus, e você olha para a porta da frente de sua casa e esse cara que disse adeus ainda está lá. Quinze anos depois. Aquelas foram as minhas últimas palavras – Acho que foram... Bem, eu sei que eu era bem jovem, mas eu simplesmente pensei que aquele seria o ano para eu me retirar de campo. Eu fiz questão. Não sei, eu estou seguro de que estou feliz porque aprendi bastante desde então”.
Em novembro de 1967, data do lançamento da obra-prima do Love, o cenário de Los Angeles havia “para sempre mudado”. A Polícia havia passado toda a primavera e todo o verão descendo o porrete em multidões de adolescentes em Sunset Strip. Os Doors dominavam as paradas de sucesso com “Light My Fire”; O Buffalo Springfield havia alcançado o Top 10 com o single “For What It’s Worth (Stop, Hey, What’s That Sound)”; Os fãs dos Byrds haviam feito do LP The Byrds Greatest Hits um grande sucesso, colocando-o na lista dos dez discos mais vendidos do período na região; e o “Verão do Amor” havia reposicionado o “centro do underground” para San Francisco. Apesar de Forever Changes ter alcançado o decepcionante posto de número 154 nos Estados Unidos, alcançou o Top 25 na Grã Bretanha. Mesmo assim, Arthur Lee não ficou tão decepcionado com as vendagens do álbum: “Bem... Estou certo de que fui pago por todas as cópias vendidas dos meus discos. Cada gravação, desde 1965. Isso não faz muito sentido para mim, eu até gostaria que fizesse... Quer dizer, eu nunca soube quantas cópias vendeu Forever Changes, eu nunca ganhei um disco de ouro ou coisa parecida. Eu gostaria de ter um disco de ouro, seria a maior viagem. Poucas das minhas gravações ganharam disco de ouro, você sabe, mas eu vou te dizer o que aconteceu: Eu acho que eu devo ter esquecido de ter ido às lojas para comprá-los ou roubá-los ou coisa parecida. Você sabe, eles me disseram coisas desse tipo e eu disse ‘Merda, Eu não vou pagar para receber o meu próprio disco de ouro’. Eu bem sei que ‘Seven And Seven Is’ e ‘My Little Red Book’ atingiram a marca de disco de ouro”. Nos Estados Unidos, a inesquecível “Alone Again Or” alcançou a posição 99 do Top 100 de singles mais vendidos. Pouco mais de seis meses após o lançamento de Forever Changes, Lee resolveu acabar com a banda.
O MELANCÓLICO FIM DA FORMAÇÃO CLÁSSICA DO LOVE
“Nós costumávamos trabalhar todos os dias”, contou Lee numa entrevista no final dos anos 1970. “Depois que nós começamos a ganhar dinheiro, o máximo que fazíamos, o mínimo que éramos eficientes, o mínimo que éramos uma unidade e o Love foi deteriorando. Os hábitos pessoais de cada um dos membros começaram a ser colocados acima da música. Todos tinham dinheiro, todos tinham uma casa, um carro, um Cadillac. O dinheiro os estragou – e me estragou também. Foi um tempo estranho. Mas a vida continua. Foi por isso que eu montei uma outra banda”.
Sérios envolvimentos com drogas foram o resultado de alguns membros não terem suportado o sucesso. Isso se tornaria especialmente problemático para Echols e Forssi quando o dinheiro que eles haviam juntado trabalhando com o Love acabou. Eles foram condenados por uma série de assaltos a mão armada em padarias de Los Angeles, o que rendeu a eles o título de “Os Bandidos dos Doughnuts”. (Consta que, depois de cumprir a sua pena em San Quentin, Forssi foi para a Flórida, enquanto o atual paradeiro de Echols continua ignorado).
Anos mais tarde, Lee refletiu a respeito do fim do Love: “Na minha opinião, cada membro do Love tinha um estilo próprio. E eu misturei todos esses estilos. Quando eles não podiam acompanhar as mudanças na minha música, eu tinha que mudar. A primeira formação do Love era uma família. Havia uma magia, e as pessoas notavam isso na nossa música. Andávamos sempre juntos. É uma pena não estar mais com aqueles caras”.
Lee estava muito fora de órbita para manter a união do grupo. Mesmo assim, ainda houve tempo para um último suspiro fonográfico. “Your Mind And We Belong Together” e “Laughing Stock”, ambas produzidas por Lee, foram as últimas gravações feitas pela primeira formação do Love. O compacto de vinil contendo esses dois números foi lançado em junho de 1968. “Your Mind And We Belong Together” segue a mesma trilha das canções de Forever Changes e, a exemplo de “You Set The Scene”, parece ser o resultado da união de duas canções diferentes. A batida agalopada, o solo hendrixiano de guitarra e as harmonias bubble gum parecem com alguma outra. Como muitas das composições de Lee desse período, o longo título da canção não é citado na letra. O lado B, “Laughing Stock”, começa com o mesmo violão distante de “Alone Again Or”, antes de desembocar num rock altamente enérgico.
Após o lançamento desse último compacto de vinil de sete polegadas, o grupo começou a implodir. Bryan Maclean foi o primeiro a abandonar o navio. Mais tarde, ele afirmaria: “Pelo menos dois membros da banda estavam irremediavelmente viciados em heroína. Johnny estava comparecendo aos ensaios sem a sua guitarra. Eu senti que precisava sair da banda antes que as coisas piorassem ainda mais”. No fim do verão de 1968, Echols, Forssi e o baterista Michael Stuart também abandonaram a banda e o vício de Lee pela heroína se tornou tão grave que ele esteve bem próximo de morrer por overdose.
FOUR SAIL (1969): UMA NOVA FORMAÇÃO NAVEGANDO NO ROCK PESADO
Lee reapareceu aparentemente recuperado do seu vício em heroína em agosto de 1968 com uma nova formação do Love. Desta vez, o investimento foi todo no rock pesado. O quarteto era Lee no vocal, Jay Donnellan na guitarra, George Suranovich na bateria, e o amigo de longa data Frank Fayad no baixo. Esse novo Love acabou gravando 27 canções que acabaram se transformando em dois álbuns. Dez faixas formaram o álbum Four Sail, da Elektra, o último do Love por essa gravadora, em setembro de 1969; As outras 17 faixas se tornaram Out Here, um álbum duplo lançado pela Blue Thumb, em dezembro. Nenhum dos dois álbuns entrou para o Top 100 norteamericano, mas Out Here se tornou um hit menor na Inglaterra, alcançando a 29ª posição entre os discos mais vendidos em maio de 1970.
Uma terceira formação do Love, com o novo guitarrista Gary Rowles e o baterista Drachen Theaker (ex-membro do Crazy World Of Arthur Brown) fez a primeira turnê do grupo pela Inglaterra, mas os fãs ficaram decepcionados pelo fato da banda não apresentar ao vivo a mesma magia existente nas gravações (Uma das primeiras bandas de Lee, The VIPs – que apresentava Arthur no órgão – também incluía Rowles, Suranovich, Fayad e o cantor/guitarrista Noony Ricket).
Drachen Theaker gravou com o Love apenas duas faixas de Four Sail (“Your Friend And Mine – Neil’s Song” e “Good Times”). Ele relembrou o estado de espírito da banda naquela época: “O Love soava como se fosse uma banda de soft rock se esforçando para fazer um som hard rock. Tudo estava centrado na casa de Arthur Lee, que era uma casa definitivamente psicodélica: no topo de uma montanha, com uma piscina que ficava com um dos lados para dentro e com o outro lado para fora da casa. Nós costumávamos ensaiar todos os dias, mas fazíamos apenas um ou dois shows por mês”.
As lembranças de Theaker são corroboradas por Jac Holzman, o fundador da gravadora Elektra, que disse: “Arthur foi um dos mais inteligentes e competentes músicos que já encontrei. Tão grande quanto o seu talento, entretanto, era a sua inclinação para o isolamento, o que o impedia de fazer o necessário para levar a sua música ao vivo até o seu público. Seu isolamento custou a sua carreira”. De fato, já foi sugerido que Lee seria um esquizofrênico fronteiriço. Certa vez, Holzman teria dito que “Arthur não é deste mundo”. O jeito com que ele conduzia a sua vida e a sua carreira, certamente, levava a essa conclusão.
Four Sail é o mais pesado dos dois álbuns, e deve ter sido bastante indigesto para os fãs devido à sua dramática diferença com Forever Changes. “As gravações não estavam dentro dos padrões [do Love dos primeiros tempos]”, diz Jac Holzman. A atitude de Lee também cumpriu a sua função. “Four Sail”, ele diz, “é uma caracterização tipicamente sardônica do lado mercadológico da música. Era sobre a minha música estar à venda (for sale) e os quatro (four) caras do Love indo embora (sailing away) da Elektra”.
Mais do que as canções de Arthur Lee, o eixo de Four Sail é a guitarra de Donnellan. Na antológica “August”, a faixa de abertura do disco, ele proporciona alguns riffs intensamente viajantes que conduzem o quarteto a uma intensa jam de encerramento. Lee toca piano, harmônica, guitarra rítmica e conga, mas é a sua performance vocal que se destaca. A voz de Lee se apresenta caracteristicamente melancólica sobre um intrincado fundo musical que deságua em uma poderosa jam psicodélica. Os quatro instrumentistas voam em alturas onde apenas o Cream já havia chegado antes. Embasados nesse som, o Love poderia ter se tornado uma das mais badaladas bandas psicodélicas do final dos anos 1960. Infelizmente, a indisposição de Lee para fazer apresentações ao vivo com regularidade (principalmente fora de Los Angeles) negou o acesso do Love ao Olimpo do rock (pelo menos naquele período).
“Only you can bring back the good old days” (“Apenas você pode trazer de volta os bons e velhos dias”), é o que canta um Lee aparentemente sentimental em “Your Friend And Mine – Neil’s Song”. A melodia otimista da canção desvirtua o assunto da letra; O “Neil” em questão era Neil Rappaport, um roadie do Love dos primeiros tempos que havia roubado a van e os equipamentos do grupo para trocar tudo por drogas. Rappaport morreu pouco tempo depois disso, de overdose de heroína.
Em seguida, temos “I’m With You”, uma faixa de dois minutos e quarenta e cinco segundos de duração, que dá lugar a “Good Times”, que apresenta outro bom solo de guitarra de Donnellan e que se mostra como uma canção com a arrogância de um jazzman confiante, hábil em trilhar tanto os caminhos do blues quanto os da exploração sônica em qualquer momento. Liricamente, a canção guarda uma certa semelhança com a magia de alguns dos primeiros trabalhos do Love, conforme Lee canta pouco mais do que “Gonna have a good time / No more bad times” (“Vamos ter um bom tempo / Não mais tempos ruins”).
“Singing Cowboy”, pelo contrário, apresenta um senso de inovação: a guitarra é impetuosa e as cordas possuem uma textura brilhante e etérea, diferente de qualquer outro trabalho do Love. O “cowboy cantante” era Jay Donnellan, que compôs a melodia. Lee compôs a letra honesta, com apenas um serpenteio de desapego. Depois de “Singing Cowboy”, aparece “Dream”, uma faixa de dois minutos e quarenta e nove segundos de duração.
A exemplo do que fez Paul Simon em sua canção “Richard Cory”, Lee desenha o retrato de um homem bom em “Robert Montgomery”, um cara que mora no lado mais refinado da cidade e se mistura com os plebeus. A natureza ambígua do protagonista é típica do Lee clássico. Lee diz que a canção foi escrita sobre si mesmo e um então recente amigo, Jerry Montgomery. A música flui com uma modéstia que equilibra as intenções líricas.
Depois de “Robert Montgomery”, temos “Nothing”, que, apesar do título, apresenta quatro minutos e quarenta e quatro segundos de duração. Essa faixa dá lugar à penúltima faixa do LP, “Talking In My Sleep”, uma canção de quase três minutos de duração.
“Won’t somebody please help me with my miseries?” (“Alguém, por favor, poderia me ajudar com os meus problemas?”), pergunta Lee em “Always See Your Face”, a faixa de encerramento de Four Sail. Esta é a única canção do álbum que guarda uma certa conexão com os primeiros trabalhos do Love – os metais, a pomposidade dos arranjos – e uma indicação de quanto Lee desenhava o formato e a textura de suas canções.
OUT HERE (1969): MAIS ROCK PESADO EM ÁLBUM DUPLO
Das 17 canções inclusas no álbum duplo Out Here (primeiro lançamento da banda pela gravadora Blue Thumb) há pelo menos seis que mostram o quão variada uma formação do Love poderia ser em sua vertente folk-blues-hard-rock. Mais do que Four Sail, o álbum acentua a utilização de solos nas canções e traz a guitarra rítmica de Lee mais avançada na mixagem do que jamais esteve. As letras de Lee são reflexivas e diretas, suas intenções são claras e os trocadilhos são mínimos. “Eu sempre acreditei em dizer a verdade”, disse ele certa vez. “A verdade sempre ocupou grande parte das minhas canções”. As seis faixas de destaque em Out Here são “I’ll Pray For You”, “Listen To My Song”, “Doggone”, “I Still Wonder”, “Run To The Top” e “Willow Willow”.
A banda soa como se estivesse genuinamente se divertindo em “I’ll Pray For You”, principalmente nos “uh-huhs”, com inflexões de Elvis Presley no coro. A melancólica e excelente “Listen To My Song” é uma tocante e bela declaração de Lee. A guitarra acústica trabalha semelhantemente ao violão melancólico de “Alone Again Or”, ainda que aqui o negócio seja a substância do pedaço ao invés da disposição de espírito. “They told me that you sold me and you see It’s just a little question in my mind” (“Eles me disseram que você me enganou e você vê que isso é apenas uma pequena questão em minha mente”), canta Lee com uma voz que apresenta um tom quase confessional.
A gentilmente dedilhada “Doggone” (que existe em duas versões, uma com um solo de bateria e outra sem) mostra Lee em um estado de espírito reflexivo. Conforme a canção flui para um suave groove no estilo “Manic Depression”, Lee mantém a solitude, cantando “Once I had a singing group / Singing group’s now gone / Now I’ve got another group / It didn’t take too long” (“Certa vez eu tive um grupo musical / Esse grupo musical agora se foi / Agora eu tenho um outro grupo / E isso não vai durar muito”). Trata-se de um testamento para a efetividade de Lee, em um cenário simples e direto.
“I Still Wonder” é o raro exemplo desta formação do Love se aventurando no terreno da harmonia vocal. Ironicamente, Lee une a suavidade associada a Crosby, Stills & Nash com uma letra sombria “situada no meio de um pesadelo diário”. E a entrega vocal de Lee é fascinante, uma das mais refinadas performances vocais dele já gravadas.
A otimista “Run To The Top” é conduzida pelo aviso de Lee aos seus seguidores: “If living’s what you’re doing / Then why don’t you be free?” (“Se viver é o que você está fazendo / Então por que você não é livre?”). Lee restaura a ambição melódica da primeira formação do Love em “Willow Willow”. Usando a figura de uma flor como uma metáfora de mulher, ele canta: “Up from the ground came the irresistible top half of you” (“De cima do chão veio a irresistível metade de cima de você”). Novamente, nota-se um suntuoso trabalho de guitarra acústica.
Nos Estados Unidos, Out Here recebeu pouca atenção por parte do público, alcançando o posto 176 das paradas, mas, no Reino Unido, o álbum foi lançado pela gravadora Harvest (a mesma do Pink Floyd) e acabou alcançando o posto 29 das paradas britânicas de LPs. O êxito alcançado no Reino Unido fez Lee embarcar para uma turnê pela Europa em 1970, e, entre um show e outro, aproveitou para fazer alguns trabalhos de estúdio com Jimi Hendrix.
Out Here também representou um encerramento de ciclo no trabalho de Lee. Era o último disco do Love nessa década. O mundo estava vivendo uma era de transformações radicais em diversos campos. Os anos 1960 estavam acabando, deixando para a posteridade um rastro de legados perenes. Lee relembra com carinho desse período: “Os loucos dias dos anos 60 foram os dias do Conhecimento, no que me diz respeito. E ganhando porções de dinheiro, cara, aquele era realmente o tempo onde eu queria estar (risadas). Eu gostava dessa parte. Mas você sabe, quando você pensa que tem tudo, e assim são como as coisas funcionam... Quem teria imaginado que não existiriam mais hippies? Sabe? E quem teria imaginado que toda a Geração do Amor, toda aquela multidão do Amor, teria acabado daquele jeito? Jesus, eu nunca. Ainda amo aqueles dias, cara. Quer dizer, eu era um cara dedicado, dedicado a tudo o que eu acreditava. E ainda vivo a minha vida desse mesmo jeito, sabe? Eu tento viver livre. O tempo é realmente muito importante, é uma coisa muito importante que nós estamos fazendo aqui. Estas são as nossas vidas, certo?”.
FALSE START (1970): PARCERIA COM JIMI HENDRIX
O segundo e último lançamento do Love pela gravadora Blue Thumb foi o álbum False Start, mais famoso pela participação de Jimi Hendrix em uma das faixas (“The Everlasting First”) do que por qualquer outra música. Lee se reuniu com Hendrix durante a turnê britânica do Love em 1970. “Existem várias jams que nós gravamos juntos, mas esta é a única canção”, diz Lee. Há três versões [de ‘Everlasting First’]. Jimi quis refazer, mas eu fiquei satisfeito já com o primeiro take”.
Mas False Start tem outro destaque. “If you’re rolling down your favorite street / Roll one time for me” (“Se você está rolando abaixo em sua rua favorita / Role uma vez por mim”), canta Lee em “Keep On Shining”, uma canção que mostra o quanto Lee se afastou de Hollywood. O mundo que Lee descreve estava desaparecendo, o mundo corporativo estava ganhando terreno e, segundo Lee, apenas aqueles que “cooperavam” poderiam ganhar um pedaço do bolo. Os dias do Love estavam quase acabando.
VINDICATOR (1972): O PRIMEIRO ÁLBUM SOLO DE ARTHUR LEE E OS ÚLTIMOS SUSPIROS DO LOVE
Em 1972, dois anos depois do lançamento de False Start, Lee gravou o seu primeiro disco solo, Vindicator, para a gravadora A&M, com uma banda de apoio chamada Band Aid (Jimi Hendrix cunhou este título a uma reunião musical de vida breve que juntava ele, Lee e Steve Winwood). O disco levou adiante as inclinações hard rock de Arthur Lee. “Eu ouvi Jimi Hendrix e Sly Stone dizendo que queriam vindicar seus passados”, diz Lee. “[Meu álbum] era para vindicar a música e todo aquele negócio. Todos os músicos com os quais eu trabalhei [nas últimas formações do Love] não se importavam muito com o trabalho de guitarra nos álbuns. Mas eu sempre achei que se eu aproveitasse o meu tempo trabalhando na guitarra, eu melhoraria como músico. Mas eu não gosto muito de prolongar certas coisas, de ficar parado. Gosto de trabalhar com músicos diferentes tocando diferentes tipos de música”.
A faixa de destaque do álbum Vindicator é “Everybody’s Gotta Live”, considerada a “Instant Karma” de Lee. Ele declama a letra de forma simples e com convicção em um estilo emocionante que nem sempre pode ser detectado nas gravações do Love. Esta é uma das canções que sempre estiveram presentes nas apresentações ao vivo de Lee, e ele costumava emendar fragmentos de canções de outros compositores (como Bob Marley) para realçar o poder e o sentimento sincero da canção.
Lee fez um segundo disco solo, Black Beauty, em 1973, pela gravadora Buffalo, de propriedade de Paul Rothchild. Entretanto, a gravadora faliu antes que o álbum completo pudesse ter sido lançado. Então, Lee optou por ressuscitar o Love com uma nova formação para gravar o álbum Reel To Real, lançado pela RSO Records, em dezembro de 1974. Desta vez, o Love era Arthur Lee (vocal), Melvan Whittington (guitarra), John Sterlin (guitarra), Sherwood Akuna (baixo) e Joey Blocker (bateria). O LP, essencialmente de soul music, foi um fracasso comercial, apesar de conter uma excelente regravação de “Everybody’s Gotta Live”. Pelo que parecia, a gravadora preferiu concentrar suas forças em promover outra volta (Eric Clapton) e em desenvolver a carreira de outro grupo (Bee Gees). Parecia também que o príncipe do pop psicodélico orquestrado estava encontrando dificuldades em sobreviver em uma era onde predominava o rock pesado e outros estilos que fugiam de suas influências.
Em 1976, Lee ainda estava em forma, mas preferiu abandonar o meio musical e passou a trabalhar como pintor de residências na parte centro-sul de Los Angeles. Em 1978, a formação original do Love se reuniu brevemente, mas Arthur Lee não se adaptou às mudanças que o tempo operou. Como relatou Bryan Maclean: “Ele é uma daquelas pessoas que gostariam de retornar aos tempos quando tudo era uma doce novidade”. Sobre seu ex-companheiro de banda, Lee comentaria mais tarde: “Bryan, não... bem, sim, a banda funcionou com Bryan, eu não vou dizer que não funcionou com Bryan... (pausa) Mas era como se ele tivesse que tomar uma decisão com a sua própria vida, cara, era da sua livre vontade fazer o que ele quisesse com a própria vida. Ele era um bom compositor, do jeito que eu entendo a música – Eu gosto de seu estilo de composição e eu gostava dele como pessoa. Mas havia coisas que ele deveria ter feito por conta própria. As pessoas tem que encarar as suas viagens pessoais, suas mudanças, e descobrirem o que elas realmente querem fazer da própria vida. E ele escolheu - pelo que eu entendo - que ele não queria mais trabalhar comigo. Mas se ele quiser mudar de ideia, bem, nunca se sabe. E eu realmente não preciso de Bryan para pagar as minhas contas”.
O OSTRACISMO DE ARTHUR LEE NA DÉCADA DE 1980
Em 1981 apareceu um EP pirata chamado Arthur Lee, disponível para venda apenas na Europa (pela Da Capo Records), até que a gravadora norteamericana Rhino adicionasse faixas extras e, assim, surgisse um álbum inteiro incluindo covers de The Bobbettes (“Mr. Lee”) e Jimmy Cliff (“Many Rivers To Cross”). Um ano depois, a gravadora MCA lançou Studio/Live, uma coletânea de material gravado pelo Love da fase False Start (1970). Também em 1982, a Rhino lançou Love Live, gravação de um show ocorrido em 1978, uma das reuniões da formação original do Love que Maclean e Lee promoveram no final dos anos 1970.
Maclean liderou a sua própria Bryan Maclean Band durante as décadas de 1970 e 1980. Por várias vezes a formação da banda incluiu a sua meia-irmã Maria McKee, ex-vocalista do grupo Lone Justice e, posteriormente, uma cantora solo. Maclean gravou vários números gospel e lançou um álbum em 1977. No Natal de 1998, aos 52 anos de idade, Maclean morreu, vitimado por um ataque cardíaco.
Sobre a década de 1980, Lee afirma: “Eu fiquei fora de cena por uma década. Eu retornei à minha velha vizinhança para cuidar do meu pai, que estava morrendo de câncer. Eu estava cansado de assinar autógrafos. Eu estava cansado de perder o meu dinheiro. Eu estava cansado de Hollywood. Eu estava cansado de ouvir cada banda nova me lembrar de alguma canção que eu já havia composto. Eu estava simplesmente cansado”.
A REDESCOBERTA DO LOVE E OS ÚLTIMOS DIAS DE ARHTUR LEE
Lee reapareceu finalmente em 1992, com uma nova leva de gravações intitulada Arthur Lee & Love pela gravadora francesa New Rose. Esse disco inclui “Five String Serenade”, uma canção regravada com grande efeito pela banda Mazzy Star dois anos depois. O disco não foi distribuído nos Estados Unidos.
O retorno de Lee nos anos 1990 proporcionou a ele mais viagens do que no auge do Love. Em 1993 ele fez suas primeiras apresentações em Nova Iorque e na Inglaterra depois de duas décadas. Em 1994, a gravadora Distortions lançou um compacto gravado por Lee contendo “Girl On Fire” e “Midnight Sun”. E uma performance com uma seção de cordas no The Garage, de Londres, mostrou que Lee não perdeu nem um pouco da sua magia ao apresentar o material clássico do Love.
Em junho de 1994, ele apareceu no Royal Albert Hall, em Londres, na Inglaterra, na celebração do décimo aniversário da gravadora Creation. No mês seguinte, ele já estava trabalhando com uma nova banda: “O nome da banda era Baby Lemonade, mas, quando estavam comigo, eles mudavam o nome da banda para Love”. Lee também se apresentou com ex-membros do Das Damen, sempre sob o nome Arthur Lee & Love. Em maio de 1995, ele foi agraciado com um Prêmio Lifetime Achievement, dado pela Berkeley Popular Culture Society, uma unidade associada com a Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Estava tudo indo muito bem com Arthur Lee até ocorrer uma reviravolta em sua vida. Essa reviravolta obrigou Lee a interromper bruscamente a sua carreira. Há muitas versões dessa história, mas o fato é que Lee foi condenado, em 1996, a oito anos de prisão por porte ilegal de arma de fogo. Embora ninguém tenha sido machucado e nenhuma propriedade tenha sido destruída no incidente que levou à sua condenação, a lei da Califórnia (que prevê reclusão para reincidentes) garantiu-lhe uma sentença de prisão, pois, na ficha criminal de Lee havia “duas incidências de assalto e posse de drogas” ocorridas nos anos 1980.
Enquanto esteve preso, Arthur Lee recusou várias propostas de entrevistas feitas por jornalistas e pesquisadores. A única visita que Lee recebeu na prisão foi a de seu advogado, que estava preparando um recurso para aliviar a sua pena. O recurso foi aceito e Lee foi libertado em dezembro de 2001. Tempos depois, ele se revoltaria contra o seu advogado: “Foi uma conspiração total; ele se mostrou ser um advogado incompetente e ele deveria ter morrido no pinto do seu próprio pai. Eu supostamente teria disparado a arma no ar. Quando eles fizeram o teste para captar os resíduos de pólvora, o resultado foi negativo. Não havia nada lá. Mas esse cara se recusou a cooperar. E eu coloquei a minha vida nas mãos desse filho da puta. Eu não cooperei. Eu não aleguei culpa e tudo isso. Eu servi meu tempo e servi bem. Eles fizeram da minha vida uma cela (risadas, citação da letra de 'Live And Let Live'). Todas as vezes que eu penso nas canções que eu compus, como as de Forever Changes, elas realmente me perseguem". A partir de 2002, Lee passou a fazer shows em vários cantos do mundo acompanhado de uma nova encarnação do Love.
Em 2003, foi lançado um item obrigatório para qualquer admirador do Love: o CD duplo Forever Changes Concerts, que inclui um vídeo de “Alone Again Or”. Trata-se da recriação ao vivo da obra-prima lançada em 1967. Esse lançamento ajudou a perpetuar o nome do Love como uma das maiores bandas psicodélicas da história do rock. Infelizmente, Arthur Lee não viveu muito tempo depois do lançamento desse CD. Ele sofria de leucemia e, em 3 de agosto de 2006, sua morte veio colocar um ponto final em mais de quarenta anos de história do Love, uma banda que tem o seu lugar garantido no Olimpo do Rock.
Sempre um espírito incansavelmente criativo, Lee continuou perseguindo a máxima expressão de sua arte até o fim. “Conforme eu olho para trás”, disse ele certa vez, “a melhor coisa que eu já fiz [em qualquer tempo] está no ponto final. Talvez eu esteja errado, mas eu ainda produzirei o álbum que eu quero”. Ele produziu. A sua obra é o seu legado. Arthur Lee, todos os fãs de rock psicodélico ao redor do mundo agradecem por sua existência. Que vida!
O PENSAMENTO MUITO VIVO D ARTHUR LEE
“Estou cagando se você disser que eu sou um viciado ou um punk ou um cão ou um gato. Eu não me importo”.
“Eu estive próximo de criar a música no rock”.
“Eu descobri que não é inteligente para as pessoas falarem sobre religião e política. Não é nada inteligente para um entretenedor falar sobre isso. Mas eu estou cagando para tudo isso”.
“Se você quiser se exercitar e perder peso, vá ver o 'N Sync ou a Britney Spear (sic) ou aquela irmã do Michael Jackson que fez plástica no nariz”.
“Jim Morrison queria ser eu. Ele foi até a beirada, pelo que eu me lembro, o mais alto que ele pensou que eu poderia estar no palco e ficou tentando ser como eu... Ele era somente uma pobre alma”.
“Tom Hanks? Ele é um bom ator, mas o problema é que ele tem a testa muito grande”.
“Michael Jackson? Ele deu a si mesmo o título de Rei do Pop. Ele é um grande artista, mas por quanto tempo mais você vai querer vê-lo fazendo o moonwalk? O Rei do Pop? O Rei do Pop? Que porra de pop? Se há uma pergunta que eu gostaria de fazer para Michael Jackson é esta, bem curta: 'Que porra é essa que você está fazendo?'”.
“Eu simplesmente sinto muito por Elvis Presley ter pensado que ele era um rei. Porque não há porra nenhuma de rei neste mundo. O único rei que há é Deus”.
“Vou te dizer: Esta é a melhor banda que eu já tive. Eu tenho uma orquestra inteira que soa exatamente como Forever Changes. Eu planejei me aposentar quando eu tivesse 21 anos. E 35 anos depois, minhas gravações são mais bem cotadas do que Beach Boys e Sgt. Pepper's. Aqueles caras estavam todos certos. Os Beatles foram os meus heróis. Os Rolling Stones foram os meus heróis. Beethoven foi certamente o meu herói. Jackie Wilson. Charlie Parker foi o maior músico que eu já ouvi em toda a minha vida. O que ele fazia com o instrumento - Eu nunca ouvi nada parecido. Exceto, é claro, as canções que eu compus”.
"Sgt. Pepper e tudo aquilo; Os Beatles, com os seus cabelos caprichados - eles foram os meus heróis. Eu não sei se eu os plagiei ou se eles me plagiaram, mas eu nunca escrevi alguma letra que tivesse algo a ver com Sgt. Pepper. E estou certo de que nunca compus qualquer coisa que tivesse a ver com aquela estúpida merda que os Beach Boys fizer – aquele Pet Rock, ou seja lá o que for. Mas nós três fomos os melhores, de acordo com os críticos. Eu não gosto de rap. Eu certamente não gosto de Pet Rock. Mas eu amo Sgt. Pepper".
“Se não fosse por mim, não haveria Jimi Hendrix. Estou seguro disso. Aquele museu foi construído para uma pessoa que eu vi em farrapos, que assinou um autógrafo por um dólar para comprar uma garrafa de vinho. As pessoas não conhecem a história. Esse cara que construiu o museu: ele não conheceu Jimi Hendrix. Eu conheci Jimi. Eu adorava Jimi. Olhar para Jimi era como olhar para mim mesmo. A única diferença entre eu e Jimi, pelo que eu me lembro, é que ele ficou mais tempo fazendo show”.
“No que concerne a Forever Changes, eu nunca toquei aquelas canções no palco porque eu achava as canções muito conservadoras. Eu achava que as pessoas não estavam preparadas para uma banda inter-racial, quanto mais para alguém com a mente de um Malcolm X ou de um Martin Luther King Jr. – alguém que realmente criou a primeira banda inter-racial. As coisas que eles falavam, eu estava fazendo. Diabos, eu pegava todas as garotas brancas enquanto ele (Martin Luther King Jr.) estava caminhando pelas ruas de mãos dadas com outras pessoas e falando sobre julgar as pessoas pelo seu caráter. Eu estava fazendo essas coisas. Eu criei a primeira banda inter-racial. Eu criei a primeira canção de punk rock, '7 and 7 Is'”.
“Eu fui convidado para visitar o Parlamento quando eu estava na Europa. Eles me trataram com o maior respeito. Eles se ajoelharam com os seus ternos e curvaram as cabeças para mim. Eles me fizeram perguntas como 'Quantas vezes você já foi convidado para visitar o Congresso ou a Casa Branca?'. A Casa Branca? Merda! A única casa branca para a qual eu já fui convidado foi uma que minha mãe e meu padrasto pintaram de branco”.
“Eu nunca fui viciado em heroína. Pergunte para alguém, sabe o que eu digo? Pergunte para algum traficante quando é que eu comprei alguma heroína dele. Merda!”.
“Eu fiz um puta show. Eu entretenho as pessoas. Você não precisa acreditar em mim, eu te mostrarei. O que eu estou fazendo agora é a turnê 'Prove'”.
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