quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

FOREVER CHANGES (1967): A OBRA-PRIMA DO LOVE


LINK para o download do álbum Forever Changes:
http://www.mediafire.com/?yybggjpyzwj


Em 1967, grande parte da América se viu envolvida num mar de flores e alucinógenos, nadando nas cores que espiralavam através da névoa psicodélica. Em Sunset Strip, onde, por um ano, o Love reinou como a banda mais hippie da cidade, a juventude parecia flutuar em um estado de transcendência cósmica. Mas Arthur Lee não queria fazer parte disso. De fato, foi em 1967 que Lee tomou o que deve ter sido a decisão mais profissionalmente autodestrutiva de sua carreira. Ele recusou um convite para participar do histórico Monterrey Pop Festival. Há várias razões que poderiam explicar essa péssima decisão, e uma delas era o crescente envolvimento da banda com drogas pesadas. No período em que se iniciaram os trabalhos para a confecção do álbum Forever Changes, pelo menos três membros – Lee, Echols e Forssi – estavam viciados em heroína. A notícia se espalhou rapidamente no meio musical, mas não mudou praticamente em nada a imagem da banda. Eles eram tidos como uma “banda de criminosos”, e o músico Peter Albin, membro do Big Brother & The Holding Company, disse que a banda deveria ser chamada de “Hate” (“Ódio”) ao invés de “Love” (“Amor”).

Se os membros do Love eram bandidos, então eles eram bandidos psicodélicos. A tensão entre a aura flower power e as suas raízes punk era a fonte de suas mais brilhantes criações. No verão de 1967 eles gravaram a sua inquestionável obra-prima, o álbum Forever Changes. Quando as sessões de gravação começaram, Lee não estava tomando apenas heroína, mas também LSD, enquanto Maclean nem se preocupava em comparecer aos ensaios. Estava claro para o produtor Bruce Botnick que o grupo não estava a fim de levar a sério os trabalhos de estúdio. Portanto, ele convocou alguns músicos de estúdio para substitui-los em algumas faixas. Com Hal Blaine (bateria), Billy Strange (guitarra) e Don Randi (piano), Botnick gravou “Andmoreagain” e “The Daily Planet”. O choque de ver outros músicos tomando os seus lugares no estúdio foi o bastante para sacudir a banda e deixa-los mais espertos – pelo menos durante o tempo que levou para gravar o álbum. “A banda se sentou no estúdio e ouviu [os músicos] gravarem duas canções [‘Andmoreagain’ e ‘The Daily Planet’]”, relembra Botnick. “Aquilo ofuscou todos eles. Eles estavam lá, sentados, reclamando, mas eles perceberam que teriam que superar isso, se reunir e gravar eles mesmos o resto do álbum, sem os músicos de estúdio”. As sessões de gravação do álbum foram completadas em sessenta e quatro horas e meia pela incrível bagatela de 2.257 dólares.

Quatro décadas depois, Forever Changes continua sendo o centro de uma tempestade de controvérsias. Quase todos os aspectos da produção do álbum e seus realizadores são colocados em dúvida. É sabido que Lee sempre afirmou que apenas ele produzira o álbum, sem a ajuda de Bruce Botnick; que ele queria os arranjos de corda feitos por David Angel removidos da mixagem final e que apenas ele, Arthur Lee, era o autor de todos os arranjos. Para compor as partituras de cordas e metais, o arranjador David Angel foi incumbido de ouvir Lee cantar cada parte e embeleza-las enquanto anotava as partituras. “Bruce e eu queríamos as cordas, apesar das objeções de Arthur”, diz Holzman. “Colocar cordas em álbuns de rock era algo virtualmente inédito”, ele completa, “mas funcionou. Se não tivesse funcionado, teríamos jogado tudo fora”. Neil Young teve o seu nome ventilado como co-produtor ao lado de Botnick, mas voltou atrás e trabalhou apenas nos arranjos de “The Daily Planet”.

Forever Changes atingiu imediatamente o status de clássico. Com o álbum, o Love alcançou um nível de ousadia musical que nenhuma outra banda havia alcançado antes. O uso de arranjos que distorciam as linhas melódicas mantinham Forever Changes afastado de comparações com outras obras-primas lançadas na mesma época. Tudo isso devido à produção fora do convencional; Guitarras vesicatórias rasgam o som de uma maneira que a maioria dos produtores jamais permitiria. Havia no álbum uma dissonância que refletia a fragmentação mental da cultura das drogas dentro da qual os músicos do Love estavam inseridos. Forever Changes refletia a distorção surrealista da primeira Era Psicodélica com precisão brilhante. Com seus arranjos habilidosamente intrincados, suas idiossincráticas mudanças de tempo e surpreendentes sobreposições de vocais, Forever Changes merece a reputação de Sgt. Pepper de Los Angeles.

Forever Changes se destaca por seu amálgama de Broadway, imagens psicodélicas, arranjos venturosos de cordas e metais, e um espirituoso jogo de palavras que tornam este álbum uma peça essencial de ligação com o insurgente movimento hippie de Los Angeles. Musicalmente, a inspiração veio dos então recém-lançados álbuns dos Beatles, dos Zombies, dos Byrds e dos Rolling Stones. No vocal, Arthur Lee assumiu um estilo que poderia ser comparado ao de Johnny Mathis, muito diferente dos primeiros trabalhos do Love, nos quais Lee não escondia a clara influência de Mick Jagger.

A guitarra acústica se fixa no centro do álbum. Tão frenético ou extravagante ou grandioso quanto as letras ou os arranjos, há um marcante centro magnético neste trabalho. Desde o suave dedilhado da guitarra espanhola que abre “Alone Again Or” até as cordas surrealistas que encerram “You Set The Scene”, Forever Changes é um legado de extremo bom gosto.

De muitas formas, Forever Changes pode ser considerado como a ópera metafísica de Arthur Lee. As letras embelezam as idéias levadas adiante nos títulos das canções, que, novamente, não estão incluídos nas letras. Os títulos “Bummer In The Summer”, “The Good Humor Man He Sees Everything Like This” e “Live And Let Live” mostram episódios e situações, sabendo que os títulos ampliam a perspectiva do ouvinte e, em pelo menos uma ocasião (“Live And Let Live”) altera o significado. O resultado é um quadro cheio de amores perdidos, subserviência, pessoas fingidas e um desejo de mudança. Bem-vindo à Hollywood de 1967.

“Alone Again Or”, número composto por Maclean, abre o álbum de onze faixas e mostra o amplo otimismo típico do cantor: “I think that people are the greatest fun and I will be alone again tonight my dear” (“Eu acho que as pessoas são o maior barato e eu estarei sozinho novamente esta noite, minha cara”), ele canta. Notavelmente, o vocal de Maclean é de fato a parte harmônica; Um dos dois, Lee ou Botnick, foi responsável por ter enterrado a bela performance vocal na mixagem final. Maclean dissera que o efeito na sua voz na mixagem final ficara tão medonho que ele havia ouvido o álbum apenas uma única vez.

A canção foi de fato composta antes do envolvimento de Maclean com o Love e foi inspirada em suas memórias de infância e nas danças flamencas praticadas por sua mãe. O solo de trumpete lembra “Lonely Bull”, de Herb Alpert, e acrescenta um toque único conforme as cordas sobem e descem, permitindo que o solo de guitarra espanhola estabeleça e quebre uma certa noção de solidão. “Ouvindo isso hoje”, diz Botnick, “acho que a influência de Tijuana Brass é culpa minha. Emprestar todo tipo de coisa não era problema”.

Em “A House Is Not A Motel”, Lee faz referência a uma história que ele ouviu de um veterano da Guerra do Vietnam, de que sangue misturado com lama fica da cor cinza. No fim da canção, ele chega a sugerir que essa mistura poderia estar escorrendo de uma torneira. Contrastando com essa ríspida imagem, está uma das mais exuberantes canções de Forever Changes, “Andmoreagain”, que mostra Lee abraçando as influências de Broadway, mais comuns a Maclean. Lee enche a balada com as peculiaridades do relacionamento homem-mulher – ouvir as batidas do coração, só para citar uma delas –, mas permanece sincero consigo mesmo quando canta que está “protegido” em sua “armadura” (“wrapped in my armor”). “Andmoreagain”, Lee diz, é “uma criatura”, uma das pessoas que ele via da janela do seu apartamento em Sunset Boulevard. A visão de Lee a partir de seu apartamento também inspirou “The Daily Planet”, que relata a repetição da vida cotidiana. O forte acompanhamento musical é iluminado pela bateria de Hal Blaine.

A única canção de Maclean que perfura as cuidadosas narrativas de Lee é “Old Man”, uma história em que Maclean ouve conselhos de um ancião. Musicalmente romântica, com cordas e metais fluindo suavemente como uma lágrima escorrendo por um rosto, a linha melódica foi inspirada em “Lieutenant Kijé”, de Prokofiev. Aqui, mais do que em qualquer outro álbum do Love, as seleções de Maclean acrescentam ao bolo, ao invés de providenciar o gelo.

Na faixa que encerra o primeiro lado do LP, “The Red Telephone” (na qual Lee faz referência ao telefone presidencial norteamericano na Casa Branca) a sílaba final de quase todos os versos é estendida por um efeito hipnótico. Fundir a última palavra de um verso com a primeira do verso seguinte – outra técnica de composição de Lee – é um efeito maximizado em “Maybe The People Would Be The Times Or Between Clark And Hilldale”. As rimas que ele exclui – “crowd” e “moon”, por exemplo – se juntam com efeitos sobrenaturais embalados agradavelmente por metais e pelo solo de violão. Como estava acostumado, Lee fala aqui da vida real, mas de uma forma poética. “Crowds of people standing everywhere” (“Multidões de pessoas por aí em todos os lugares”), ele canta. “And here they alway play my song” (“E aqui eles sempre tocam minha canção”) é uma referência à casa de espetáculos Whisky A Go Go, onde o Love tocava regularmente.

Apesar do bizarro verso de abertura que fala sobre “catarro em suas calças”, “Live And Let Live” é o testemunho de Lee sobre vigiar – e defender – o que é seu. A linha de baixo remete ao álbum de estréia, mas nunca parece deslocada. Lee explica que o verso que fala sobre catarro é verdadeiro: “Nós estávamos no estúdio e eu desmaiei, escarrei na minha calça e levantei. O catarro cristalizou. Eu escrevi sobre isso”.

“The Good Humor Man He Sees Everything Like This” é sobre uma idílica manhã de verão, com carrosséis e garotinhas usando rabos-de-cavalo e coisas do tipo. Novamente, Lee caminha dentro do território lírico de Maclean, mas faz isso com uma magnífica seção de cordas que conduz a história de modo efetivo. “Eu escrevi a letra em frente à Dorsey High School, olhando as crianças saindo da escola”, Lee relembra. “Mas, ao invés de escrever sobre o que eu estava vendo, eu escrevi sobre o que eu queria ver. Eu fiquei sentado lá por três horas tentando escrever só sobre coisas legais”.

O piano e o violão se destacam na abertura de “Bummer In The Summer”, e a guitarra mantém uma função percussiva. “Eu peguei esse riff a partir de uma canção de Ike Turner e transformei em country”, explica Lee. Com ambigüidade dylanesca, Lee canta os problemas do seu cotidiano enquanto sugere liberdade pessoal para todos com os versos “Go ahead if you want to / Nobody’s got any papers on you” (“Vá em frente se quiser / Ninguém tem quaisquer papéis em você”).

Arthur Lee mostra toda a sua perícia em “You Set The Scene”, uma “ópera de bolso” de quase sete minutos. Aparentemente, Lee uniu duas canções e usou uma seção de cordas para costura-las. A faixa começa com uma linha de baixo típica da Motown, e Lee canta com bravura – com o tipo de voz privilegiada de impetuosos cantores pop que vão de Al Johnson a Tom Jones. Ele toca no assunto da Guerra do Vietnam com o verso “A man decides if he wants to fight for what his father think is right” (“Um homem decide se ele quer lutar pelo que seu pai acha que é certo”). O desespero é particularmente evidente em versos como “All I know is that everything that lives is gonna die” (“Tudo o que eu sei é que tudo o que vive vai morrer”), “I’ll face each day with a smile” (“Eu encararei cada dia com um sorriso”) e “People may screw you up but they really screw you down” (“As pessoas deveriam te levantar, mas elas realmente te jogam para baixo”).

Considerando a sombria condição financeira e pessoal da banda, o fatalismo de Lee sobre o futuro do Love poderia ser considerado como bem fundamentado. O brilhantismo do álbum se torna comovente ao passo em que Lee acreditava que morreria após a conclusão das gravações. Isso é particularmente evidente em “You Set The Scene”: “This is the time and life that I am living and I’ll face each day with a smile / Because the time that I’ve been given is such a little while, and for every happy hello there will be goodbye…” (“Este é o tempo e vida que estou vivendo e eu encararei cada dia com um sorriso / Porque o tempo que me resta é como um breve momento, e para todos os felizes ‘alôs’ haverá um ‘adeus’...”). Em 1982, Lee falaria numa entrevista sobre o seu medo de morrer após as gravações: “Forever Changes foram as minhas últimas palavras no Love, você sabe. Forever Changes foi como uma daquelas pirações de John Lennon, sabe? A única diferença entre Starting Over e Forever Changes é que Lennon foi baleado e eu não fui. Entende? Aquelas foram as minhas últimas palavras, minhas últimas palavras ao mundo, e eu tenho estado aqui desde então (risadas). Foi como um cara dizendo adeus, e você olha para a porta da frente de sua casa e esse cara que disse adeus ainda está lá. Quinze anos depois. Aquelas foram as minhas últimas palavras – Acho que foram... Bem, eu sei que eu era bem jovem, mas eu simplesmente pensei que aquele seria o ano para eu me retirar de campo. Eu fiz questão. Não sei, eu estou seguro de que estou feliz porque aprendi bastante desde então”.

Em novembro de 1967, data do lançamento da obra-prima do Love, o cenário de Los Angeles havia “para sempre mudado”. A Polícia havia passado toda a primavera e todo o verão descendo o porrete em multidões de adolescentes em Sunset Strip. Os Doors dominavam as paradas de sucesso com “Light My Fire”; O Buffalo Springfield havia alcançado o Top 10 com o single “For What It’s Worth (Stop, Hey, What’s That Sound)”; Os fãs dos Byrds haviam feito do LP The Byrds Greatest Hits um grande sucesso, colocando-o na lista dos dez discos mais vendidos do período na região; e o “Verão do Amor” havia reposicionado o “centro do underground” para San Francisco. Apesar de Forever Changes ter alcançado o decepcionante posto de número 154 nos Estados Unidos, alcançou o Top 25 na Grã Bretanha. Mesmo assim, Arthur Lee não ficou tão decepcionado com as vendagens do álbum: “Bem... Estou certo de que fui pago por todas as cópias vendidas dos meus discos. Cada gravação, desde 1965. Isso não faz muito sentido para mim, eu até gostaria que fizesse... Quer dizer, eu nunca soube quantas cópias vendeu Forever Changes, eu nunca ganhei um disco de ouro ou coisa parecida. Eu gostaria de ter um disco de ouro, seria a maior viagem. Poucas das minhas gravações ganharam disco de ouro, você sabe, mas eu vou te dizer o que aconteceu: Eu acho que eu devo ter esquecido de ter ido às lojas para comprá-los ou roubá-los ou coisa parecida. Você sabe, eles me disseram coisas desse tipo e eu disse ‘Merda, Eu não vou pagar para receber o meu próprio disco de ouro’. Eu bem sei que ‘Seven And Seven Is’ e ‘My Little Red Book’ atingiram a marca de disco de ouro”. Nos Estados Unidos, a inesquecível “Alone Again Or” alcançou a posição 99 do Top 100 de singles mais vendidos. Pouco mais de seis meses após o lançamento de Forever Changes, Lee resolveu acabar com a banda.

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