quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O INÍCIO



Arthur Taylor Porter nasceu em 7 de março de 1945, em Memphis, Tennessee, Estados Unidos. Depois que seus pais se divorciaram, ele adotou o sobrenome do segundo marido de sua mãe, Clinton Lee. Quando ele tinha cinco anos de idade, sua família se mudou para a Califórnia, e Arthur cresceu nos arredores de Crenshaw-Adams, na Zona Oeste de Los Angeles. Ele se descrevia como “uma criança solitária” cujo principal consolo era a música. “Quando eu era um garotinho eu ouvia as canções de Nat King Cole e olhava o logotipo púrpura da Capitol Records. Eu queria ser um contratado da Capitol, esse era o meu objetivo”.

Lee estudou na Dorsey High School, onde ele se sobressaiu nos esportes, particularmente basquetebol e corrida. Depois que saía da escola, ele costumava caminhar vários quilômetros, desde a Dorsey até o prédio da Capitol, em Hollywood, somente para ficar contemplando o objetivo que ele estava determinado a conquistar. Em pouco tempo, Lee abandonou a escola e começou a se dedicar exclusivamente à música. Ele começou a compor e a se apresentar musicalmente. “Eu tive a sorte de ter uma mãe que via algum talento em mim”, diz Lee. “Eu sempre tive um quarto só para mim, onde eu podia fechar a porta e fazer o que eu quisesse dentro do quarto. Compor música era a coisa mais importante da minha vida, e é assim até hoje. A música só está abaixo de Deus”.

Aliás, a religiosidade era uma marca forte da personalidade de Lee, conforme as suas próprias palavras: “Quando você coloca algo na frente de Deus ou de você mesmo na sua vida, você está com problemas. Você sabe o que eu estou dizendo. Você tem que acreditar em alguma coisa - e se você acredita em Deus, isso é maravilhoso, e acreditar em você é acreditar em Deus também. Mas desde que você coloca uma banda, ou um ídolo, ou uma mulher, ou um homem, ou qualquer coisa - antes de você ou de Deus, você está fodido. Eu sei disso, todo mundo sabe, mas, às vezes, temos a tendência de esquecer. Saca o que estou dizendo?



A primeira banda de Lee, The LAGs – o nome é uma homenagem à banda de Memphis favorita de Arthur Lee, Booker T & The MGs -, acumulou um pequeno número de seguidores. Em 1963, foi lançado um compacto pela Capitol contendo os números instrumentais “The Ninth Wave” e “Rumble Still Skins”. Um ano depois, um outro compacto foi lançado, desta vez pelo selo Selma, subsidiário da gravadora Del Fi. Esse compacto era da outra banda de Lee, chamada The American Four. O lado A trazia a canção “Luci Baines”, que é o primeiro registro vocal conhecido de Lee. O lado B, “Soul Food”, era um instrumental conduzido por Lee e por Johnny Echols, que, futuramente, também viria a ser guitarrista do Love. A exemplo de Lee, Echols também era um nativo de Memphis que havia se mudado para Los Angeles. Antes de formarem a banda, os dois já eram amigos de vizinhança. “[Essas primeiras gravações] eram sobre manter os meus pés molhados, apenas isso”, relembra Lee. “Eu nunca esperei ganhar um só centavo com esses compactos. Portanto, eu só apliquei metade das minhas habilidades nessas gravações”.

Além de músico, Lee também começou a trabalhar como produtor, produzindo singles de soul e de música latina para o selo Selma. O trabalho musical de Lee chamou a atenção de muita gente. A gravadora Revis lançou um compacto com a canção “My Diary”, que Lee compôs e produziu para a cantora Rosa Lee Brooks em 1964. “Eu escrevi essa canção para Rosa Lee Brooks”, diz Lee. “Essa foi a primeira vez que Jimi Hendrix [recém-demitido do grupo de Little Richard] tocou guitarra em um estúdio. A letra de ‘My Diary’ fala sobre a mesma mulher sobre a qual eu também falo em ‘7 And 7 Is’ e ‘A Message To Pretty’. O som era mais ou menos como Curtis Mayfield e seus riffs e aumente o volume do seu amplificador ao máximo para ver o que acontece”. Uma banda de Los Angeles chamada The Sons Of Adam (cujo baterista Michael Stuart seria um dos futuros membros do Love) fez uma versão de “Feathered Fish”, um punk rock composto por Lee, e um grupo de surf music chamado Ronnie & The Pomona Casuals também gravou várias outras composições de Lee, incluindo “Slow Jerk”, “Everybody Jerk” e a philspectoriana “I’ve Been Trying” (embora boatos digam que Lee tenha gravado com essa banda, ele nega peremptoriamente e diz que só forneceu algumas de suas composições para eles gravarem).

Os primeiros trabalhos de Lee (tanto como músico quanto como produtor) mantinham uma forte influência de música negra, especialmente R&B. A mudança de rumos em direção ao pop branco se deu em 1965, quando viu Roger McGuinn e os Byrds pela primeira vez. Enquanto isso, suas bandas The LAGs e The American Four continuavam seus circuitos de shows em Montebello, subúrbio de Los Angeles. Foi só depois de ver o show dos Byrds pela primeira vez, que ele decidiu abandonar o rótulo de “banda cover” e se concentrar numa espécie de destilação do som do idiossincrático folk rock dos Byrds e das suas próprias despretensiosas canções. Ele se sentiu fascinado pelo folk rock de influência britânica dos Byrds e pelas possibilidades oferecidas pela guitarra de doze cordas. Os Rolling Stones e uma banda de Los Angeles chamada The Rising Sons também influenciaram enormemente essa nova direção, que foi certa vez descrita por um resenhista como “McGuinn e seus amigos formando, de alguma maneira, uma aliança sonora com Mick Jagger”.



De primeira, essa decisão custou para ele. “Eu tenho a habilidade de fazer qualquer tipo de música que eu queira fazer, e eu não tinha compromisso algum”, assegura Lee. “Eu percebi que eu poderia soar como os Byrds e os Beatles e eu disse ‘Hey, este sou eu. Pare de tentar ser um imitador’ [de bandas R&B]. Eu me encaminhei até umas gravadoras de música negra – a SAR, de Sam Cooke, e a Motown. Eles queriam que eu trabalhasse ganhando poucos centavos”.

Em 1964, Lee abandonou as suas bandas antigas e formou uma nova, a qual ele batizou como The Grass Roots (Lee disse certa vez que esse nome veio de “uma citação de Malcolm X sobre ‘pessoas vindas do povo, de origem popular’ [‘grass roots people’] como sendo as pessoas que estavam nas ruas fazendo alguma coisa por si próprias”). A formação da banda era ele próprio, Johnny Echols (guitarra), Johnny Fleckenstein (baixo) e Don Conka (bateria). Pouco tempo depois, o jovem guitarrista Bryan Maclean foi admitido na banda e deixou o seu antigo emprego de roadie dos Byrds. A audição na qual Maclean foi aceito foi notória pelo fato do seu único concorrente ter sido Bobby Beausoleil, que acabou se tornando famoso posteriormente de uma forma muitíssimo diferente: Ele foi simplesmente um dos assassinos que faziam parte da “Família” Manson. Tocando em bares durante seis noites por semana, os Grass Roots se tornaram “os reis das bandas de rua” em Hollywood.

Entretanto, no final de 1965, Lee foi forçado a mudar o nome da banda. Outra banda chamada The Grass Roots apareceu no cenário musical, alcançando as paradas de sucesso com “Ballad Of A Thin Man” (versão de uma canção de Bob Dylan), pelo selo Dunhill Records. Essa banda era liderada pelos compositores P. F. Sloan e Steve Barri e alcançaria a parada de sucessos várias outras vezes, com clássicos como “Let’s Live For Today”, “Midnight Confessions” e “Temptation Eyes”. Ao invés de recorrer aos tribunais para resolver o problema do nome, Lee resolveu rebatizar sua nova banda. O novo nome escolhido foi “Love” (era o segundo da lista). “É uma grande palavra, a melhor coisa que existe na vida”, disse Lee. É notável, entretanto, que a sua definição de amor seja um tanto idiossincrática. “Nós temos que amar uns aos outros. Eu prefiro ficar numa boa com todo mundo. Desde que você faça o que eu digo, não há problemas”, completa Lee.



Apesar de Lee ser o líder e principal compositor da banda, Maclean também compunha um material igualmente excelente. Enquanto Lee era um negro que tinha crescido na parte mais barra-pesada de Los Angeles e era conhecido como o cara mais durão da vizinhança e fazia soul music, Maclean era um garoto loiro de olhos azuis, muito rico, criado em Beverly Hills, compunha suaves canções folk e sua primeira namorada havia sido a então jovem Liza Minelli. A diferença de formação e de estilos entre esses dois músicos providenciou muito da tensão criativa existente no material da banda. Conforme o Love construía uma reputação baseada nessa mistura de R&B e folk rock, eles também começaram a trocar os covers por material original.

Arthur Lee já foi descrito como um “freak negro em um cenário branco” da Los Angeles dos anos 1960, cujo estilo o próprio Lee ajudou a moldar. “Lee era uma figura impositiva”, escreveu certa vez o músico Jimmy Greenspoon, da banda Three Dog Night. “Óculos escuros, um lenço ao redor do pescoço, camisas eduardianas, e – o que veio a se tornar a sua marca registrada – um velho par de botas militares com uma delas estando desamarrada. A presença dele era hipnótica. A platéia se convertia em uma legião de súditos do Rei Arthur Lee. Ele era uma espécie de flautista que os conduzia por uma estrada em direção a uma diferente forma de consciência”. Notando as semelhanças entre Arthur Lee e Mick Jagger, um veterano da indústria musical chamado Denny Bruce descreveu o músico como “um negro americano imitando um branco inglês que imitava um negro americano”. A influência britânica dentro da música do Love era óbvia, mas o trabalho de guitarra de Lee, Echols e Maclean era puro Los Angeles.

Com a intenção de se destacar no meio da multidão, Lee elaborou uma moda toda peculiar para torná-lo notavelmente diferente. “Eu comecei a usar apenas um mocassim, somente para ficar conhecido como o cara que usava apenas um mocassim”, relembra Lee. “Eu freqüentava a cafeteria Ben Frank, em Sunset. Eu não conhecia os figurões da indústria da música. Portanto, aquele era apenas um jeito das pessoas me conhecerem, me identificarem. As pessoas começavam a perguntar ‘onde está aquele cara que só usa um par de sapatos?’. Eu estava determinado a me tornar um cara conhecido”. Mas, mesmo alcançando um alto grau de popularidade em sua área, Lee não abandonou a sua característica simplicidade, mesmo em tempos futuros, quando atingiu ainda mais notoriedade com o Love: “Não quero mais nada a não ser me tornar o rei do rock'n'roll. Mas eu quero ser isso do meu jeito. Essas pessoas [profissionais de gravadoras e empresários] são tão alienadas, trancadas em suas mansões e toda essa vida de merda, cara. E eu sempre estive aqui, no meio do povo. Eu gosto de ir até a porta da frente, encarar a fila, pagar o ingresso do meu próprio show e depois subir ao palco. Esse é o jeito que eu gosto de encarar as coisas. Eu não gosto de discrição e de toda essa merda. Porque meus amigos e eu - os amigos que já se foram, que é (risos)... Aqueles que ainda não foram baleados (gargalhadas)... Uhh, hei, eu costumo ficar bastante em casa... Jesus Cristo, você se imagina sendo muito famoso e ganhando rios de dinheiro? Eu não gostaria. Eu já tenho diversão suficiente na minha vida simplesmente vivendo, visitando meus amigos e ouvindo discos. Eu gosto disso. Eu não desistiria do meu estilo de vida por nada deste mundo - a vida é muito importante, cara”.



A notoriedade não estava tão longe quando o Love começou a se apresentar em clubes noturnos de Los Angeles, em abril de 1965. Não muitos meses depois de sua estreia, o Love se estabeleceu como a melhor banda underground de Los Angeles. “Nós começamos no clube Brave New World, em Melrose, e então nós fomos para o Bido Lito’s, trabalhando seis noites por semana e ganhando 20 ou 30 dólares por noite”, relembra Lee. “Quando nós começamos a tocar no Brave New World, eles tinham de 15 a 20 pessoas na platéia cada noite. Depois de duas semanas, a fila para entrar no local já estava dobrando o quarteirão. Os Yardbirds, Mick Jagger, Sal Mineo, estavam todos lá para ver o Love tocar”. (Foi presumivelmente no Brave New World que os Rolling Stones viram o Love apresentar a sua versão de 25 minutos de “Smokestack Lightning” e a original “Revelation”, que acabou inspirando Mick Jagger e seus companheiros a gravarem a sua própria alongada “Goin’ Home”, incluída no clássico álbum Aftermath).

“Nós éramos o que as pessoas queriam ouvir”, relembra o baterista Don Conka. “Era uma coisa realmente refrescante. Nós costumávamos ensaiar na garagem da casa de Arthur, tocando canções dos Byrds e dos Kinks e canções originais nossas também. Desse jeito, nós desenvolvemos uma sonoridade toda original. Você pode identificar qualquer canção dessas bandas, mas você nunca pode definir o som de Arthur”. Em pouco tempo, os membros do Love estavam vivendo em comunidade, primeiro em Hollywood e depois em uma casa localizada em Laurel Canyon onde já havia morado o ator/personagem Bela Lugosi (a estranha formação rochosa que aparece nas capas dos dois primeiros LPs do Love se localizava no jardim dessa propriedade).



Os membros da banda desenvolveram uma forte afinidade – Lee e Conka permaneceram amigos durante as décadas subsequentes – que os ajudava a evoluir como músicos, mas afastava estranhos. Durante o auge o grupo, houve notícias de que um repórter da revista KRLA Beat havia reclamado do jeito como Lee e seus colegas o haviam tratado durante uma entrevista. Os músicos teriam dado respostas monossilábicas às perguntas e teriam falado frases fragmentadas e absurdas. De acordo com a celebridade sessentista Ian Whitcomb, que escreveu sobre esse incidente em seu livro Rock Odyssey (uma espécie de crônica daquela época), a única resposta coerente que o repórter obteve foi esta declaração de Lee sobre a música do Love: “Nós queremos que a nossa música envolva o ouvinte da mesma forma que o amor envolve o mundo”. Na verdade, tratava-se de mais um trocadilho de Lee: ele queria que o “Love” (nome de sua banda) envolvesse o ouvinte da mesma forma que o amor (“love”) envolvia o mundo. A impressão do repórter foi a de que o Love estava determinado a alcançar o topo, mas “a falta de educação acabará com a banda”.

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